segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Jorge Pina e Gervásio Pina

Existe actualmente um agrupamento musical denominado “Pina Trio”, composto por três músicos experientes e com créditos já firmados na música portuguesa, do qual fazem parte os irmãos Gervásio e Jorge Pina e ainda Abílio Marques, os quais tocam essencialmente em bares, cafés-teatro e pequenas salas de espectáculo, com um reportório composto, sobretudo, por versões de temas pop rock. Partilham todos de uma mesma paixão: o rock & roll e suas derivações. Não admira, portanto, que Jorge Pina e Gervásio Pina, tenham sido também levados pela torrente do boom do rock português e, consequentemente se tenham aventurado pelos seus meandros. Estávamos de facto, em 1979, meses antes de “Ar de rock” de Rui Veloso e já os irmãos Pina tinham larga experiência no meio musical, pertencendo ao grupo “Vector”. Mais tarde, uma nova formação sob a égide de Gervásio Pina foi formada, denominada Malaposta, inserida no corrente de rock dos anos 80, cuja vida discográfica foi efémera, uma vez que se quedaram apenas pelo lançamento de um single, antes da falência da editora que os apoiara de início.
É o próprio testemunho de um dos elementos da formação da banda que nos relata essa efémera experiência “Os Malaposta surgiram na altura do chamado boom do rock Português, mas não num contexto de aproveitamento da onda do momento... Com efeito, já trabalhávamos juntos há alguns anos, procurando encaixar temas originais ente os covers que tínhamos que tocar nas festas de finalistas por todo o Norte do país.O boom serviu apenas para que um grupo de província pudesse mostar aquilo que fazia... Eram outros tempos, em que Lamego e Lisboa estavam separados por mais de 5 horas distribuídas por 400 longos kms de estradas perigosas e cheias de tráfego, em que não havia net, nem computadores, nem telemóveis, e em que a interioridade era uma triste realidade...E foi essa interioridade que, aliada à falência da editora que nos apoiou de início, acabou por definir precocemente o fim de uma banda que tinha algum talento e originalidade.” (Testemunho de Gervásio Pina, retirado do blogue “rockemportugal.blogspot.com”)


Facto menos conhecido, porém, foi que, paralelamente ao projecto Vector, os irmãos Pina, concorreram ao 1.º Festival da Canção de Lamego com duas canções, “Canção de Estrilhar” e Invasão”, classificando-se, respectivamente, em 2.º e 4.º lugar. Tais canções deram origem a um interessante single, que recuperamos hoje da obscuridade. Recorrendo a um soft rock de escárnio e de maldizer Gervásio Pina com “Canção de Estrilhar” transporta o ouvinte ao imaginário bem real do mundo das aparências, das senhoras bem vestidas e do “corte e costura” dos encontros sociais, enquanto que o lado B do single já Jorge Pina canta a preocupação deste duo pela realidade da cidade e a destruição da humanidade pelos tempos modernos.
Grande parte da informação recolhida sobre esta formação foi retirado do site oficial do Pina Trio (pinatrio.douronet.com) sendo da nossa parte totalmente desconhecido quais os outros elementos que participaram na gravação destes dois temas, cujos excertos partilhamos hoje com os nossos leitores.

Clique no Play para ouvir um excerto do disco

Lado A -Canção de Estrilhar (Gervásio A. Pina)
Lado B -Invasão (João Simões)
Percatex SIN -08
Ano: 1979

domingo, 27 de setembro de 2009

Carlos Filipe Rei - Palavras Proibidas até 25 de Abril

Cabe-nos hoje apresentar mais um cantor cujo futuro, em 1974, se augurava bastante promissor, pelo menos a julgar pela indiscutível qualidade das suas composições. Falamos de Carlos Filipe Rei, um artista cujas referências biográficas escasseiam, sendo que a pouca informação que dispomos sobre este cantor se resume apenas às breves notas de apresentação escritas, na contracapa do seu disco de estreia, por José Vicente, letrista de todas as canções que compõem o E.P. “Palavras proibidas até 25 de Abril”. Por uma questão de fidelidade ao texto original de José Vicente e para melhor elucidar os nossos leitores sobre o percurso musical de Carlos Filipe Rei até 1974, transcrevemos na integra o texto de apresentação de “Palavras Proibidas até 25 de Abril”:

Balada para Olimpo” e “Balada Imperfeita” não são propriamente baladas. São títulos de subterfúgio... Por alturas de 1969-70 imperava o estilo baladeiro, e o autor quis, dentro daquele estilo, e de combinado com Carlos Filipe Rei, dar-lhes uma característica musical de forma a fugir ao timbre então em voga. Estes trabalhos foram realizados em 1970. Mas só em Fevereiro de ano feliz de 1974 foram aceites pela etiqueta Alvorada para a voz de Carlos Filipe Rei. Era mais uma aventura face à censura da época... E acontecesse o que acontecesse a Alvorada encarregou o maestro Correia Martins das orquestrações. A 18 de Abril Carlos Filipe Rei não gravara a voz por estar nervoso; admite-se, pois é este o seu primeiro disco. Logo a seguir acontece o glorioso 25 de Abril! Assim, os versos sofreram algumas alterações nas imagens verbais de passado e presente. José Vicente”


Apesar de se perspectivar uma série de futuros discos, a grande verdade é que estas quatro canções acabaram por ser o único legado de Carlos Filipe Rei, cujo percurso posterior desconhecemos por completo, sabendo, no entanto, que se tratou do único disco gravado por este artista. Para a história da música portuguesa de intervenção, ficou, portanto, um disco musicalmente distanciado do género baladeiro da altura, enraizado numa produção mais profunda, orquestral e com arranjos rítmicos com reminiscências directas em géneros musicais habitualmente de fora dos padrões normais do canto de intervenção do pré 25 de Abril.

Clique no Play para ouvir um excerto do disco

Lado A 1 - Romance sem resumo (Carlos Filipe Rei- José Vicente)
Lado A 2 - Balada para Olimpo (Carlos Filipe Rei- José Vicente)
Lado B 1- Amor canta Alegria (Luciano-Vargues- José Vicente)
Lado B 2 -Balada Imperfeita (Carlos Filipe Rei – José Vicente)
Alvorada EP-60-1521

domingo, 20 de setembro de 2009

Paco Bandeira - Hip Hip / Rumba Paca

Hoje, invertemos um pouco o curso normal do nosso blogue ao apelarmos a um músico que toda a gente conhece, ao contrário daqueles que até agora temos vindo a apresentar. Falamos de Paco Bandeira, um dos artistas mais conhecidos da musica ligeira portuguesa, proveniente da região alentejana de Elvas. Facto pouco conhecido é o verdadeiro nome de Paco Bandeira, Francisco Veredas Bandeiras, que viria a adoptar o nome artístico de Paco Bandeira, por nítida influência espanhola. De facto, devido à proximidade de Elvas com a fronteira e com os imensos amigos espanhóis que lhe chamavam “Paco” (diminutivo de Francisco em castelhano) e “Bandera”, foi esse o nome artístico com que se apresentou em palco no início da sua carreira e também o que, justamente, adoptou aquando da gravação do seu primeiro disco.
Durante quase toda a sua carreira, as canções de Paco Bandeira ficaram associadas, de uma maneira ou de outra, às características da sua região natal, tais como as planícies e as searas, a interioridade da província portuguesa, com especial relevo para a vida no campo. Paco Bandeira, teve também imediatamente no período pós-25 de Abril, um contributo importante no canto de intervenção de cariz mais político, dando particular destaque à emigração, ao contrabando, às populações itinerantes de ciganos e à guerra colonial em África.

No entanto, para quem pense a música de Paco Bandeira se resumiu à musica ligeira, com hinos de cariz mais sentimental e popular, trazemos hoje ao bairro do Vinil um pequeno achado, datado de 1973, no qual Paco Bandeira se nos apresenta de uma forma totalmente diferente daquela que tem habituado a maioria dos portugueses. O disco chama-se “Canto para ti”, um E.P. que contempla 4 temas todos eles diferentes entre si, sendo difícil até escolher o que mais se destaca. Contudo, ninguém poderá ficar indiferente à canção “Hip-Hip”, um registo com uma componente marcadamente rock, com um refrão alegre, numa linguagem quase onomatopaica para fazer esquecer as “guerras de cor, do ódio ou rancor” que Paco Bandeira recusa peremptoriamente nessa canção.
No outro lado do disco, como se um outro disco totalmente diferente se tratasse, já Paco Bandeira, influenciado pelas suas quase raízes espanholas, canta na língua castelhana, explicando a origem do seu nome artístico (a mi me llamam Paco), interpretando uma fantástica "Rumba Paca", quase a rondar a perfeição absoluta desse estilo de canto. Para quem nunca ouviu estes registos musicais, certamente ficará surpreendido, aliás, bastante surpreendido com a versatilidade inesperada de Paco Bandeira, cantor que ficámos a conhecer ao longo destes anos pela constância do mesmo género musical com que se tem apresentado. Da nossa parte, ficámos também surpreendidos, pelo que é com grande alegria que partilhamos um excerto destes dois temas.

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sábado, 12 de setembro de 2009

Fernando Ribeiro

Shegundo Galarza foi, sem sombra de dúvida, um dos músicos e maestros mais talentosos que alguma vez passou por Portugal. Radicado em terras lusas desde a década de 40, durante mais de seis décadas, lançou um infindável número de discos, ora em nome próprio, ora como arranjador de dezenas de músicos com os quais trabalhou, passando por todos géneros musicais, desde o clássico, o popular ao jazz. Ficaram célebres os famosos discos de Shegundo Galarza para a etiqueta “Estoril”, bem como outros tantos, que, mais à frente, na devida altura, abordaremos. Dos músicos com os quais trabalhou, uns são sobejamente conhecidos (tais como Amália Rodrigues, Tony de Matos, Maria da Fé ou José Cid) e outros, certamente menos conhecidos e que, nos tempos de hoje, deixaram de ter protagonismo e, quiçá, ficaram para sempre perdidos no esquecimento.
Cabe-nos hoje recuar um pouco no tempo, e no panorama musical português dos anos 60 e 70, altura em que a panóplia de estilos musicais florescia sem quaisquer reservas (embora com privilégio para o fado), para encontrarmos imensos discos de acordeonistas que, de uma forma mais ou menos conseguida (tais como Eugénia Lima, Filipe de Brito, Isidro Baptista, Tino Costa, Victor José,  entre outros) atingiram algum sucesso nos meios mais populares e até a nivel de todo o território nacional.
Um dos acordeonistas que, infelizmente, não é conhecido (nem reconhecido) na actualidade é  Fernando Martinho Cordeiro Ribeiro, mais conhecido pelo nome abreviado de Fernando Ribeiro que, para além de executante do acordeão, era também compositor e orquestrador, sendo um acordeonista virtuoso, que teve a honra, de tocar acompanhado pela secção de violinos dirigida pelo também virtuoso Shegundo Galarza. Através do disco que hoje apresentamos, assistimos a um encontro entre a música de raiz popular protagonizado por Fernando Ribeiro e a dimensão orquestral da música erudita. Dois estilos mas um resultado comum: Portugal popular elevado à grandeza orquestral.

Pretendemos de forma muito simples relembrar, por um lado, Shegundo Galarza (que toda a gente conhece) e, por outro lado, trazer à memória as nossas raízes populares interpretadas por Fernando Ribeiro (hoje um perfeito desconhecido). Aliás, não só se invocam as memórias das nossas raízes, através do som popular do acordeão, como também os próprios títulos das canções espelham aquilo que hoje se vai perdendo cada vez mais, tais como as desgarradas, os viras, as brincadeiras entre parreiras, os despiques algarvios, entre muitos outros...pesar do perfeito desconhecimento do virtuosismo das gravações de Fernando Ribeiro, este acordeonista gravou, desde 1946 para a frente, inúmeros discos, para diversas editoras nacionais e estrangeiras (como por exemplo, a Rapsódia, Estúdio, Belter, Alvorada ou Parlophone), acompanhado na grande maioria das vezes pela sua esposa, Fernanda Guerra, também acordeonista que conheçeu em 1948 e com a qual viria a casar em 1955. Curiosamente, foi a partir do casamento com Fernanda Guerra que o seu sucesso aumentou em grande parte devido ao Duo que entretanto criara com a sua esposa.
Principalmente desde a década de 60 para a frente para além das suas actuações a solo, acompanhou dezenas de artistas portugueses bem conhecidos, tais como Tony de Matos, Francisco José, Carlos do Carmo, entre muitos outros. O seu sucesso levou-o a conhecer meio mundo, tendo actuado em quase toda a Europa, E.U.A. Austrália, sem olvidarmos as nossas então províncias ultramarinas. Compôs centenas de obras para acordeão (desde o popular ao erudito) e para teatro de revista , onde, aliás, trabalhou entre 1987 e 1996, compositor , arranjador e ensaiador de actores no Teatro Maria Vitória, findando o duo que até então manteve com a sua esposa.
Mais um disco e um artista que aqui nos apraz, orgulhosamente, divulgar para que a sua memória musical perdure, pelo menos nos recônditos mundos da Internet. Qualquer informação adicional sobre este músico, pois a nossa resume-se ao disco que em questão, será sempre bem vinda, para aos poucos construirmos uma verdadeiro enciclopédia de ilustres desconhecidos portugueses.

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Maria Albina - O Cuquinho da Ribeira



Num dia em que se realiza hoje, pela terceira vez consecutiva em Portugal, a edição do Red Bull Air Race, bem no centro da zona ribeirinha do Porto, decidimos também fazer uma viagem à antiga ribeira, onde os costumes e as modas há cerca de 40 anos atrás eram certamente outros. Neste percurso encontrámos a cantora Maria Albina, acompanhada pelo Conjunto Típico de Resende Dias, que através da sua jovial voz presta uma homenagem ao quotidiano da vida à beira rio na cidade Invicta. Naquele tempo, não só as vivências eram outras, como também a própria zona ribeirinha do Porto apresentava uma vida totalmente diferente da actual; se hoje a ribeira é, acima de tudo, um pólo de atracção turística, já o mesmo não se pode dizer em relação à altura da gravação deste disco: sem necessitarmos de recuarmos ao tempo de Douro Praia Fluvial de Manuel de Oliveira, basta-nos escutar este disco para percebermos que nessa altura era a ribeira que fazia girar a vida da cidade do Porto.



Ao longo de todo este disco, encontramos sentidas referências ao bairro da Sé de Porto e suas vielas, aos eternos balões de S. João em cada janela bem como aos saudosos passeios à beira rio. Curiosamente, é num desses passeios que Maria Arminda, certamente se terá inspirado para escrever a letra de “Cuquinho da Ribeira”, que Maria Albina aqui interpreta, espelhando as preocupações das jovens solteiras da época e do seu receio em ficarem solteiras, em contraposição com os tempos de hoje, onde os casamentos acontecem cada vez mais tarde. Da nossa parte, o que nos chamou mais a atenção foi a capa do disco, na qual surge Maria Albina, que gravou este E.P. com apenas 13 anos e que na canção “O Cuquinho da Ribeira”, canta os seguintes versos “Fui um dia passear para os lados da ribeira…/Oh Cuquinho da Ribeira diz-me qual é a maneira de uma marido arranjar/ Sou nova e sou solteira, haverá algum que queira comigo uma dia casar / Oh Cuquinho da Ribeira, quantos anos de solteira tu ainda me ouvirás dar…Fico a triste a meditar... chego até a imaginar que irei ficar solteira”.
Ora, atendendo às novas preocupações (e aspirações) da figura feminina no mundo moderno, seria impensável, nos dias de hoje, uma menina com a idade de Maria Albina, pensar sequer em interpretar de forma tão honesta uma canção com os versos que acima reproduzímos, inspirados numa história popular (no cuco da ribeira que dizia, consoante, o número de vezes que cantava, quantos anos uma menina iria ficar solteira).
Maria Albina em 1965
Quanto à menina Maria Albina, chegaram-nos recentemente preciosas informações a respeito da sua curta carreira, o que prontamente passamos para a transmitir aos nossos leitores. Natural de Vizela, foi alí que cantou num espectáculo quando tinha apenas 11 anos de idade. Segundo consta, o êxito foi tal, que em Outubro desse mesmo ano foi eleita no Teatro Circo de Braga, "Rainha das Cantadeiras do Minho". Em 1963, cantou no Palácio dos Desportos no Porto, na festa do Campeão Português, que era um programa em que figuravam os grandes nomes da rádio e da TV. Em 1965, confessava à Crónica Feminina que o seu sonho era cantar na TV. Sobre a sua possível aparição na TV não temos qualquer confirmação. Sabemos apenas, conforme nos referiu "fonte" próxima da artista que gravou apenas 3 discos para a etiqueta Rapsódia, do Porto, sendo o que hoje apresentamos o seu disco de estreia, tendo depois abandonado a vida artística.



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domingo, 6 de setembro de 2009

José Sampaio - Adeus Guiné - A Mulher Portuguesa

José Sampaio. Nome desconhecido do actual universo musical português tem hoje, contudo, mais uma oportunidade de sobressair das sombras e da poeira do esquecimento, através de uma entrada directa para o nosso bairro do vinil. No entanto, cremos que tal oportunidade não lhe irá trazer o sucesso pretendido, isto porque, conforme analisaremos, as temáticas das canções presentes neste disco há muito que não transparecem a realidade portuguesa.
Do pouco que conseguimos apurar, pela análise da capa e da contracapa do disco que nos chegou às mãos, só podemos concluir tratar-se de um cantor emigrado em França (a julgar pela editora francesa Serenata que distribuía os discos, muito provavelmente para a comunidade portuguesa aí radicada), que terá gravado pelo menos mais de 12 discos , para além deste E.P. que agora se comenta (com acompanhamento musical por Jorge Fontes e Os Alegrias)
O que nos chamou a atenção deste cantor , não foi propriamente a sua voz rude de cantor campestre, nem o enquadramento sonoro que reveste as canções, uma vez que estamos apenas perante mais um cantor, entre centenas de outros, do folclore português. O que nos chamou a atenção foi, bem pelo contrário, os títulos das duas faixas que abrem cada uma das faces do vinil: “Adeus Guiné” e “A Mulher Portuguesa”, títulos que à primeira vista nos podem levar a pensar estarmos, por um lado, perante uma canção de intervenção contra a guerra colonial e, por outro lado, uma canção de homenagem de homenagem à mulher lusitana.

Se é verdade que elaboramos este texto passados garantidamente mais de 30 anos sobre a gravação deste disco, não podemos deixar de reparar no contracenso, à luz dos dias de hoje, entre os títulos das canções e as respectivas letras. De facto, “Adeus Guiné” nada mais é do que um apelo à guerra, sob o pretexto de defesa daquilo que na altura era um território português. Aliás, os versos explícitos da sua autoria, tendo como pano de fundo efeitos sonoros de metralhadoras, são conclusivos : “Só esta pequena lembrança dos emigrantes de França, estamos prontos a lutar, amor cego e imortal é nosso dever a Guiné defender, será sempre Portugal”. Sem dúvida que, se atendermos ao facto, de nessa altura, serem mais do que recorrentes os cânticos anti-guerra e anti- regime, corporizados no chamado canto de intervenção, este disco só poderá ser visto como a metáfora do outro lado da barricada, ou seja, uma espécie de canto de anti-intervenção.
Da mesma forma, ao mesmo tempo que o cântico de apelo à libertação da condição social das mulheres se fazia sentir por toda a Europa e em especial em Portugal (entre outros, por José Barata Moura), José Sampaio através de “A mulher portuguesa”, apresenta-nos, mais do que a sua visão, a própria visão e concepção da condição da mulher durante o Estado Novo. Sem dúvida, que José Sampaio elogia a mulher portuguesa, não a tratando mal, bem pelo contrário, até admite que “se não fossem as mulheres, o homem não tinha razão”. No entanto, uma análise sociológica mais atenta da letra desta canção, leva-nos à conclusão de estarmos perante o contracenso do próprio elogio, uma vez que ao mesmo tempo que se destacam as qualidades de “boa companheira e mulher trabalhadeira”, simultaneamente, se está a dar enfâse, na mesma canção, ao papel dominante do homem, sempre triunfante fora do lar, ao contrário da mulher reduzida a à condição de dona de casa. Versos mais explícitos do que estes são impossíveis de encontrar nos tempos modernos : “Português emigrante, homem triunfante da mulher portuguesa, a sua mulher poupada fica sempre em casa e não sente tristeza”. Ora, quem é a mulher portuguesa que ao ouvir esta canção não se encherá de orgulho e emoção, por este tão rasgado elogio ?

Clique no Play para ouvir um excerto das duas canções