quinta-feira, 13 de maio de 2010

O MUNDO EM FÁTIMA

Enquanto hoje se celebra com alguma euforia (e exagerada cobertura mediática) a vinda do Papa Bento XVI ao Santuário de Fátima, cabe-nos recuar 43 anos no tempo e ir de encontro ao que por cá se passava em Fátima precisamente neste dia. A 13 de Maio de 1967, decorria em Fátima as comemorações do Cinquentenário das Aparições.
Ao contrário do que sucedeu em 1982, por altura do jubileu, em que a visita de João Paulo II foi vista com naturalidade e aceitação por parte de todas as altas patentes do Estado Português, o mesmo já não se poderá dizer em relação à visita de Paulo VI em 1967. Com efeito, a assombrar a visita papal estavam duas questões que foram decisivas para o Vaticano despolitizasse a visita do Papa a Portugal: em primeiro lugar a guerra colonial que Portugal, orgulhosamente só, insistia manter, ao arrepio do que se passava nos outros países europeus; e em segundo lugar, o facto de um ano antes, Salazar ter censurado a visita do Papa à Índia, que, como se sabe, iniciara o princípio do fim do império colonialista português, com a anexação de Goa, Damão e Diu. Por essas (e outras razões) a visita do Papa a Portugal foi tudo menos pacífica,tendo sido desencadeada, uma das mais fortes operações de segurança já alguma vez vistas em Portugal.
Devido ao clima de tensão criado, o Peregrino da Paz, como era apelidado Paulo VI, não se deslocou a Lisboa, tendo aterrado na base de Monte Real e seguido directamente para a Cova da Iria, local das celebrações. Talvez somente suplantado pelas últimas visitas a Fátima de João Paulo II, a celebração da Eucaristia pelo Papa Paulo VI concentrou a 13 de Maio de 1967 a maior aglomeração de fieis jamais reunida em Fátima.
Para além dos fieis e peregrinos, em Fátima, estiveram igualmente reunidos 7 cardeais (responsáveis pela Oração aos Fiéis), meia centena de Arcebispos e Bispos, membros do Corpo Diplomático e variadíssimas colectividades religiosas, nacionais e estrangeiras. Curiosamente, apesar da aparente resistência, as mais altas figuras do nossa da Nação, estiveram presentes em massa, embora a título meramente particular. Por essa razão, Paulo VI não foi considerado visita de Estado, nem hospedado a expensas do Estado por não ser seu convidado, tendo sido antes hóspede do Bispo de Leiria.

Da homilia de Paulo VI, destaca-se o facto de ter vindo a Portugal rezar pela Paz no Mundo (numa clara alusão à guerra colonial), proferindo-se célebres (e sábias) palavras “Homens, sede homens, sede bons, sede cordatos, abri-vos à consideração do bem total do mundo... Recomeçai a aproximar-vos uns dos outros com a intenção de construir um mundo novo”. Paulo VI rezou a missa, tendo a Oração dos Fieis sido recitada em 8 línguas diferentes, num apelo aos governantes para que o fizessem, com justiça e com verdade (hoje, 43 anos depois, é mais actual do que nunca esse apelo). De todos esses momentos, o momento mais marcante terá sido, sem dúvida, a homilia de Paulo VI que, mesmo num português por vezes mal soletrado mas perfeitamente inteligível, consegue apelar de uma forma particularmente emotiva à paz no mundo, não o fazendo somente através de palavras de circunstância facto que, como é evidente, só poderá assumir contornos de manifesta sinceridade.
Parte dos registos desse dia, ficaram registados em disco, num LP de edição cuidada da Editora Alvorada, em estilo gatefold (capa de abrir), facto raro para a época, devido ao custo elevado de impressão dos discos. Todo o disco é um documento histórico, desde o aspecto artístico e gráfico, passando pela reportagem fotográfica contida no seu interior, até ao registo aúdio propriamente dito. De facto, quem adquirir este disco poderá escutar os momentos correspondentes à entrada do Papa no Santuário, os cânticos arrepiantes em uníssono de um milhão e meio de fieis, a Oração dos Fiéis, a Bênção dos Doentes que se encontravam no Santuário e parte (pensamos nós – ou a totalidade ?) da homilia papal.
Para os leitores interessados, deixamos um largo excerto de tal documento histórico.

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domingo, 9 de maio de 2010

SAGA - HOMO SAPIENS


A banda Saga, apesar de ter sido uma das mais originais bandas portuguesas dos anos 70, teve um percurso bastante efémero, tendo gravado apenas um disco, com o título de “Homo Sapiens”. Devido a esse carácter efémero o nome da banda é hoje praticamente desconhecido dos portugueses, facto para o qual contribuiu o estilo menos comercial que a banda adoptou, de acordo com a nova vaga de rock que paulatinamente se começava a instalar um pouco por todo o mundo.
Liderada por José Luis Tinoco, os Saga lançam com “Homo Sapiens” um dos discos mais aclamados pela crítica nesse ano, com temática centrada em torno da criação do Mundo e da sua quase destruição pela Segunda Guerra mundial, com especial destaque para o lançamento das primeiras bombas atómicas. Trata-se de mais um álbum de rock progressivo sinfónico, numa vertente bastante experimental à imagem de muitos registos musicais dos anos 70, com temas ora cantados ora narrados, transformando este conjunto de canções num trabalho literário e musical muito forte, como se de um autêntico cenário auditivo se tratasse. Os temas “Invasão” e "Hiroshima" são disso um exemplo, roçando a fronteira do teatro musical acompanhado por excelentes instrumentalizações plenas de dramatismo.
Apesar da contemporaneidade que se quis retratar com aquele trabalho musical, para além das letras escritas por José Luis Tinoco, foram adaptados muitos poemas de poetas da portugueses da Alta Idade Média, como é o caso de Nicolau Tolentino e Sá de Miranda, que se uniram ao dramatismo deste trabalho musical corporizado no seu expoente máximo através dos poemas declamados por Sinde Filipe.
Apesar de estarmos perante um dos mais importantes discos já alguma vez gravados, não existe ainda por parte de qualquer editora portuguesa, a sua reedição em cd. Este disco foi reeditado apenas por uma editora coreana em 2001, sendo hoje um dos discos de vinil portugueses mais procurados no mundo inteiro. O facto de as editoras estrangeiras aproveitarem o que de melhor se faz em Portugal, impedindo assim o esquecimento geral de bons trabalhos musicais, já começa a ser recorrente, tendo aliás ocorrido com imensas bandas portuguesas da década de 70. Para os que não conhecem este trabalho, deixamos aqui um excerto do disco.


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sábado, 1 de maio de 2010

O Primeiro de Maio


Em Maio de 1974, celebrou-se pela primeira vez em Portugal após longos anos de interregno, o Primeiro de Maio, cinco dias após a Revolução dos Cravos, num clima de verdadeira tensão, onde eram esperados alguns confrontos e reacções provindas de sectores não familiarizados com as novas ideias que rapidamente emergiam após a recente revolução de Abril. No entanto, contrariamente ao esperado, as celebrações do dia 1 de Maio em Portugal, acabaram por ser pacíficas, transformando-se numa verdadeira manifestação espontânea e numa festa da união popular e dos trabalhadores portugueses.
O mote “O povo unido jamais será vencido” foi repetido vezes sem conta por milhares de manifestantes no conjunto global de manifestações que se deram um pouco por todo o país. Associada a este evento, a Emissora Nacional transmitiu durante mais de 6 horas de emissão uma reportagem contínua sobre o evento através dos seus emissores regionais, da Madeira e dos Açores e ainda através do Rádio Clube de Moçambique e da Emissora Oficial de Angola. Ainda sobre a égide do Movimento das Forças Armadas, a manifestação do 1.º de Maio de 1974, foi uma das primeiras manifestações da liberdade de expressão em Portugal após o 25 de Abril de 1974. Conforme se refere no pequeno texto escrito na capa gatefold do disco vinil que regista para a posterioridade esse momento, aquele dia tratou-se, sem dúvida, de “uma jornada de luta por uma vida melhor” de todos os trabalhadores portugueses, os quais, de acordo com a legislação em vigor à época, lutavam por direitos que embora hoje sejam constitucionalmente reconhecidos como fundamentais, na altura nem sequer existiam e que, certamente, começaram a materializar-se nas manifestações de massas do 1.º de Maio.
Aos microfones da Emissora Nacional, falaram várias personalidades, trabalhadores, ex-presos políticos e até ex-músicos exilados (como é o caso de Luís Cília, cuja voz também é possível ouvir neste disco), num relato radiofónico impressionante, sobretudo para as gerações mais novas, as quais poderão , através deste registo, fazer um esforço imaginativo de memória, recuando atrás no tempo e tendo a percepção da realidade portuguesa nos dias que imediatamente se seguiram ao 25 de Abril de 1974. Excertos dessas seis horas de emissão foram registados em disco, sendo hoje, no dia em que se comemoram 36 anos após o registo desse conteúdo discográfico, o momento ideal para partilharmos com os nossos ouvintes a memória desse dia.

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