sábado, 16 de novembro de 2013

Conjunto de Bártolo Valença - Na quinta do Zé Tomás

Abordaremos hoje um artista que outrora teve importante mediatismo em Portugal, tendo realizado inúmeras tornées no estrangeiro, ora acompanhado pelos seus “Rapazes do Ritmo” ou mais tarde com a “Rapsódia Portuguesa”, este último um grupo popular de expressão artística bastante diversificada, conforme explicaremos adiante. Durante várias décadas foi presença assídua em algumas das mais populares casas de fados de Lisboa, embora tivesse sido, ironicamente numa boite que permaneceu mais anos seguidos enquanto músico residente. Falamos, naturalmente, de Bártolo Valença.
É difícil quantificar em qual dos dois grupos acima referidos Bártolo Valença atingiu maior notoriedade. Se no grupo popular “Rapsódia Portuguesa”, fundado mais tarde, no qual conjugou as danças com o folclore, ou se nos “Rapazes do Ritmo”, com o qual editou inúmeras gravações comerciais e no qual se estreou (provavelmente) no início dos anos 50. No entanto, inclina-mo-nos para os Rapazes do Ritmo, designação ligeiramente enganadora para os menos informados e que poderá induzir em erro, na medida em que os Rapazes do Ritmo não eram nenhum “conjunto de ritmo” ao jeito de Shegundo Galarza ou de Mário Simões, mas antes um grupo que apresentava uma música toponímica e popular-humorística, com recurso a instrumentos de cariz tradicional.

No que à sua longa carreira diz respeito, em poucas linhas, poderemos dizer que (ao contrário do que se possa pensar) a mesma não teve o seu início na música e que tampouco foi Bártolo Valença o fundador dos Rapazes do Ritmo. Efectivamente, a sua tendência artística sempre foi para o bailado, mas foi quando surgiu o convite para substituir o vocalista original desse conjunto (cuja identidade desconhecemos) que surgiu a sua grande oportunidade para singrar na vida artística, tendo assumido as funções de coordenador do conjunto e de executante. Depois de uma estreia num programa rádio publicitário, os Rapazes do Ritmo alcançaram grande êxito durante mais de 7 anos consecutivos, tendo o auge de popularidade sido atingido na década de 50 e apenas refreado quando Bártolo Valença, paralelamente com os Rapazes do Ritmo, decide fundar a Rapsódia Portuguesa.
Sobre aquele aspecto, conforme realçava o próprio artista, nunca houve realmente uma transformação dos Rapazes do Ritmo em Rapsódia Portuguesa, na medida em que ambos coexistiam, passando aqueles a fazer parte deste conjunto, numa tentativa (conseguida) de divulgação do folclore português. “A Rapsódia Portuguesa” era composta por 16 elementos, uma verdadeira aguarela de danças e cantares da nossa terra, exigindo de todos um grande esforço físico e artístico despendido por actuação, combinado tradições do Ribatejo, fado bailado, bailinhos da Madeira, cantares da Nazaré e de Trás-os-Montes, entre outras evocações.
Foto da Rapsódia Portuguesa, com Bártolo Valença em primeiro plano.
A longevidade de Bártolo Valença fazia, à data do seu eclipse, inveja a muitos outros artistas. De facto, manteve-se em cartaz, sem interrupção, desde 1956 pelo menos até 1971 (cerca de 9 anos no Restaurante Faia e 7 anos no famoso Maxime), apresentando, conforme se referiu, música vincadamente portuguesa ou de características folclóricas, cantando, dançando, representando, fazendo humor e apresentando o seu espectáculo em vários idiomas. Bártolo considerava-se um verdadeiro animador (mais comummente, um show-man, ou M.C. - Mestre de cerimónias), o que efectivamente era, um verdadeiro homem-espectáculo, que percorria o folclore do norte minhoto ao Algarve litoral, durante cerca de 3 horas por noite nos seus espectáculos no Maxime.
A canção que escolhemos para hoje faz um resumo do ambiente do conjunto bem disposto, que eram os Rapazes do Ritmo e do espírito das suas canções: alegres, divertidas e populares. Não falta nesta recriação o zurrar do burro, a ovelha, a galinha, e muitos outros animais da quinta do Zé Tomás tão bem recriada neste curtos 3 minutos que hoje deixamos aos nossos leitores.  



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sábado, 19 de outubro de 2013

Cânticos Espirituais - Pelo Grupo Português Cantoras do Evangelho

Retomamos hoje o contacto com os nossos leitores com uma abordagem radicalmente diferente, isto se atendermos ao género de registos sonoros com que temos presenteado os nossos ouvintes até à presente data. Apresentamos, nada mais nada menos, do que aquilo que poderemos considerar como uma espécie de espirituais negros cantados por mulheres portuguesas brancas. Se tal, por si só, já não era nada vulgar à época, ainda mais interessante é o facto de tais espirituais serem cantados com letra portuguesa, embora a maior parte deles resulte de versões de espirituais americanos.
Os Cânticos Espirituais que apresentamos foram gravados algures em Moçambique (ou na África do Sul) por um denominado grupo “Cantoras do Evangelho“, distribuídos em formato EP pela etiqueta Sul-Africana Teal, provavelmente por portuguesas radicadas em Moçambique (ou na África do Sul). Através destes espirituais brancos, que fogem categoricamente da linha do blues, encontramos talvez a continuação (ainda que de outra forma) da veia evangelizadora iniciada pelos cristãos portugueses há séculos atrás, com particular incidência em África.


De salientar que existem naturalmente outras gravações de índole religiosa em Portugal, mas que na sua grande maioria pertenciam a intérpretes (Irmãs) que se faziam acompanhar ora rítmica ou coralmente, ou seja, à guitarra acústica (um pouco à imagem das irmãs americanas) ou então pelos coros de igreja ou de mosteiros. Cremos, portanto, tratar-se de um registo invulgar. 
No que às intérpretes diz respeito, estamos na presença de duas solistas, Angelina Oliveira e Júlia do Cerro, esta última que aparentava ter alguma popularidade, de acordo com a informação vertida na contracapa do disco. O acompanhamento é rico, através do piano de Joan Potgieter, o orgão de Kitty Wilson e o violino e bandolim de J. do Cerro Guerreiro, provavelmente Joaquim do Cerro, um pastor-missionário evangélico que foi em missão para Moçambique em 1947. A invulgaridade deste disco parece sair ainda mais reforçada se atendermos ao facto de Joaquim do Cerro ser um católico protestante, facto que nos poderá conduzir à conjectura de estarmos perante espirituais de base protestante. Ficará certamente a dúvida, até que alguém nos esclareça, bem como a dúvida de qual o grau de parentesco ou afinadade da solista Júlia do Cerro com Joaquim do Cerro.

Contracapa do disco, com imagens das solistas
Como é evidente, este grupo português “Cantoras do Evangelho” não teria nenhuma vertente comercial, nem as suas componentes qualquer pretensão de estrelato, bem pelo contrário. A reserva e o anonimato destas evangelizadoras por certo fez com que com o decorrer dos anos se tornasse impossível recolher qualquer informação sobre estas intérpretes restando apenas os cânticos e a mensagem de fé neles incorporada para a posterioridade.



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sábado, 12 de outubro de 2013

Abel de Melo - De viva voz

O disco que escolhemos para hoje tem como figura central um ilustre desconhecido, de nome Abel de Melo, cantor que lançou para o mercado algumas canções no período imediatamente ao 25 de Abril de 1974 e que desde então imergiu no anonimato. À primeira vista poderia tratar-se de mais um (de entre muitos) cantores e baladeiros de mensagem política e panfletária do chamado “período revolucionário em curso”. No entanto, neste disco, o interprete afasta-se substancialmente do rótulo de baladeiro panfletário, socorrendo-se de uma sonoridade de cariz funk-rock, inserida já num conceito amplo de canto de intervenção. Ou seja, as canções deste single afastam-se de forma radical da linha musical da maioria dos cantores de protesto, alicerçando-se antes numa poética mais rica, em contraposição com a poesia fácil e até pobre de muitos outros, na qual quase sempre pão rimava com a palavra produção ou revolução.
Assim, é a música propriamente dita que assume um papel muito importante neste disco, sendo a sua força bem notória, bem mais do que as palavras, embora não olvidemos que estas também sejam entoadas com uma forte mensagem a elas associada, numa corrente apologística da mudança de regime e de esperança, dirigidas a um destinatário colectivo, o povo.


Curiosamente, de Abel de Melo, conhecemos ainda um registo musical marcadamente mais intimista, em que são apenas as palavras e a nua guitarra que compõem o disco, o que não deixa de ser enigmática a razão de tal viragem... No entanto, já antes Bob Dylan se transmutara radicalmente e a qualidade da sua música manteve-se intocável. E o mesmo se dirá de Abel de Melo, que tanto num como no outro disco referido, interpreta excelentes canções. No que a este disco diz respeito, salienta-se desde logo que é um interessante registo, facilmente enquadrável numa onda “groove”, pouco comum no contexto da época, um género musical claramente sem (tanta) conotação com o cariz político partidário, talvez pretendendo assim demarcar-se da corrente principal dominante na música interventiva do pré-25 de Abril. É, portanto, sem dúvida alguma, um disco de pop-rock, disfarçado de música de intervenção, embora a inversa também seja verdadeira. Por outro lado, salienta-se a interessante associação com Mike Sergeant, um dos melhores arranjadores “portugueses”, que assumiu os arranjos e direcção do conjunto que acompanhou Abel de Melo. Mais uma vez, não há qualquer informação no que diz respeito à ficha técnica do disco, para além da mencionada, o que é pena, pois de facto o disco resultou num excelente trabalho, com arranjos extremamente conseguidos que dão uma frescura às respectivas temáticas, em contraposição com o estilo mais sofrido de outros intérpretes da época. Sabemos, contudo, que um anterior single de Abel de Melo, gravado em finais de 1974, com os temas “Alerta Camarada” e “Criança Loira”, também com arranjos de Mike Sargeant, teve como acompanhantes o próprio Mike Sergeant, Filipe Zav, Daniel Louis e José Machado, pelo que poderemos muito bem admitir como possível, dada o curto lapso temporal existente entre um single e outro e a mesma editora, que o trabalho que hoje apresentamos tenha como músicos os mesmos acima referidos.
Já no que diz respeito a Abel de Melo, dele não obtivemos, até ao momento, qualquer informação, embora suspeitemos que se terá transformado num fadista, em conformidade com a gravação que encontramos no youtube, mas sobre a qual não existem grandes comentários que nos permitissem saber algo mais sobre este misterioso cantor.


Clique no Play para ouvir um excerto deste single

Abel de Melo 
Ad Libitum SIN 231
Lado A - De viva voz (Abel de Melo/ José Viana) 
Lado B - Balada para um poeta (Abel de Melo/ Manuel José Caldeira)

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Maria Amália - Tomem lá beijinhos

Por vezes, através dos textos que publicamos no Bairro do Vinil, temos conseguido entrar em contacto com diversas pessoas ligadas à vida artística que nos têm fornecido informações privilegiadas não só sobre si próprias como também sobre outros parceiros das lides musicais. De todos esses contactos que temos mantido nos últimos meses, há ainda alguns mistérios que conjuntamente continuamos a tentar desvendar. Há um caso que para nós era até há pouco tempo ainda um mistério na medida em que nem nós, nem a diversa gente ligada ao fado com quem temos contactado, conseguia descortinar quem tinha sido tal personagem. Falamos da fadista Maria Amália, uma fadista que na década de 50 gravou, pelo menos, 3 EP's para a popular editora Alvorada, num conjunto total de 12 fados, a sua grande maioria da dupla João Mateus Junior/ Walda Rodilles Mateus.

O mais curioso de tudo (e também o que mais nos intrigava) é o facto de pelo menos uma das suas criações ser um fado sobejamente conhecido no universo dos fadistas. O tema tem o sugestivo título de “Toma lá beijinhos” da autoria da dupla atrás referida, sendo o seu refrão cantarolado por muitos fadistas que, ainda que hoje não se recordem da letra completa mas que do seu refrão não se esquecem, conforme tivemos ocasião de constatar nas diversas conversas que mantivemos com alguns dos fadistas mais “antigos” sobre este assunto.
Acresce ainda referir (acentuando ainda mais o mistério sobre Maria Amália) que das 3 (bonitas) capas de discos que lhe conhecemos não consta qualquer fotografia da fadista. O mesmo se diga relativamente à contracapa. Por outro lado, de toda a imprensa da época à qual temos tido acesso não encontrámos ainda qualquer referência à fadista Maria Amália, embora tenhamos que admitir que no campo do fado nos faltam ainda muitas referências sobre as principais fontes de informação das épocas de 30 a 50 no que a este género diz respeito.
No entanto (como não desistimos facilmente nem à primeira nem à segunda tentativa) e como o nosso desejo em conhecer algo mais sobre esta fadista era realmente supremo, conseguimos apurar muito recentemente que Maria Amália terá abandonado a vida artística em 1960, altura em que emigrou para o Reino Unido, onde constituiu família juntamente com o seu marido, um cidadão nigeriano. Fruto desse casamento nasceram vários filhos, muitos deles hoje ligados à vida artística.
Maria Amália, nos anos 50
Infelizmente, a vida é madrasta e a morte é efectivamente a única certeza que conhecemos ao longo da vida. Quando há poucos dias conseguimos identificar e saber do paradeiro de Maria Amália estávamos longe de imaginar que ainda há cerca de dois, três anos (altura em que começámos a procurá-la) ainda se encontrava viva e de boa saúde. Contudo,  Maria Amália (ou Maria de Lourdes, seu possível verdadeiro nome) faleceu recentemente no primeiro trimestre de 2013, com a idade provável de 80 anos, uma vez que terá nascido entre 1932 e 1933. Não conseguimos, portanto, estabelecer contacto com esta artista, com muita pena nossa. De igual modo não lográmos ainda estabelecer contacto com os seus descendentes, algo que acreditamos estar para breve, não fosse o mundo cibernético uma aldeia cada vem mais global e pequena.
Sobre Maria Amália restam-nos, para já, apenas os discos, a sua voz e uma única foto que conseguimos recuperar. Devido à ausência de informação, abreviamos ao máximo este texto, na esperança de regressarmos em breve com mais informações, fruto da ajuda dos nossos leitores e quem sabe, dos familiares de Maria Amália. 


Para elas, principalmente, tomem lá beijinhos...

Maria de Pádua - Dobadoira / S. João das Orvalhadas

Apesar do mediatismo (e algum vedetismo) proporcionado pela imprensa social da época a alguns cançonetistas, nomeadamente a partir da criação do Centro de Preparação de Artistas de Rádio da Emissora Nacional, a grande verdade é que eram poucos aqueles que se dedicavam exclusivamente à vida artística, dela retirando o seu sustento. A grande maioria, mais não eram do que artistas amadores que em determinado momento gozaram de alguma popularidade, através de esporádicas aparições em programas de rádio e em alguns Serões para Trabalhadores e que rapidamente se desvaneciam no anonimato.
Como é fácil de compreender, tais artistas raras as vezes conseguiam conciliar a sua vida profissional com a vida artística. Os homens viam-na ser interrompida (muitas vezes para sempre) pela obrigatoriedade do cumprimento do serviço militar. No que às mulheres diz respeito, a vida artística, na maior parte dos casos, não passava de uma mera experiência de meninas que precedia a devoção à vida do lar antes do anunciado  fim do percurso artístico. Aliás, o casamento foi mesmo umas principais razões para que muitas artistas da Emissora Nacional tivessem abandonado ou optado por um rumo diferente e mais reservado na sua carreira. Dois exemplos supremos são, sem dúvida alguma, Maria de Fátima Bravo (cuja voz se imortalizou na canção “Vocês sabem lá”) e Júlia Barroso (uma das primeiras vedetas da rádio e a primeira rainha da Rádio, eleita pelos leitores da popular revista Flama) que muito cedo abdicaram das suas carreiras em favor do casamento. Outros exemplos poderíamos deixar aqui, mas reservaremos os outros para uma próxima mensagem, uma vez que a que temos em mente para hoje tem por objecto uma outra temática.


Conforme referimos, também houve casos em que nomes mais ou menos conhecidos da nossa rádio conseguiram conciliar a sua vida profissional com a vida artística, mantendo a estabilidade dos seus empregos ao mesmo tempo que seguiam cantando e gravando discos. Dois desses exemplos são Maria de Pádua e Almerinda Stella, as quais partilhavam ainda uma interessante coincidência: ambas eram funcionárias dos Correios e ambas gravaram vários discos, seja em formato 78 rpm, seja mais tarde em formato 45 rpm. Se relativamente a Almerinda Stella obtivemos já a informação de que faleceu recentemente, o mesmo já não poderemos dizer sobre Maria de Pádua, cujo paradeiro e informações biográficas continuam a ser um mistério, dada a quase ausência de registos escritos na imprensa da época sobre tal artista. Nem mesmo, através do contacto com alguns artistas da década de 40 e 50 lográmos obter qualquer informação sobre o paradeiro de Maria de Pádua.
Ainda assim, recolhemos algumas informações que partilhamos com os leitores mais interessados na esperança de obtermos um retorno de informações sobre esta artista que há cerca de 60 anos atrás gozou de alguma popularidade.
Maria de Pádua, à saída dos Correios em 1954.

Maria de Pádua estreou-se na Emissora Nacional, muito provavelmente em Novembro de 1951 no programa "Passatempo", tendo (já depois de tirar a carteira profissional no ano seguinte) continuado a vida artística até pelo menos 1954, altura em que (numa entrevista) confessara já estar desiludida com a vida artística, devido à falta de oportunidades. Contudo, nessa mesma entrevista, simultaneamente manifestava o seu desejo em “triunfar custasse o que custasse, para depois se retirar com satisfação de ter provado que possuía algum valor“. Ou seja, pelo que podemos perceber com tal afirmação, era bem provável que por essa altura o fim da carreira artística e discográfica de Maria de Pádua estivesse a atingir o seu limite, não sendo alheio o facto de não se lhe conhecer nenhuma nova gravação para o catálogo Alvorada durante toda a restante década de 50, senão a recuperação de números antigos anteriormente gravados em 78 rpm para a etiqueta Melodia (Dobadoira e Orvalhadas de S. João) mais tarde incluídos num EP daquela editora lançado para o mercado em 1959, juntamente com outras duas interpretações de Maria Amélia Canossa e do Conjunto de João Aleixo.
Facto digno de registo é que Maria de Pádua cantava também em francês e em italiano, tendo ainda no seu repertório números regionais, género do qual terá sido uma das primeiras intérpretes. Não obstante tal mediatismo, Maria de Pádua, sempre teve oposição da família quanto à sua intenção de prosseguir com a vida artística, sendo para nós uma incógnita qual o rumo que a sua carreira tomou após 1954. Terá abandonado por vontade própria, descontente com o panorama musical da época, face à emergência das primeiras vedetas da canção ? Terá casado ? Terá emigrado para África na companhia de um suposto marido ? Seria o nome de Mária de Pádua um nome meramente artístico, face à abundância de “Marias” na Emissora Nacional ? Não sabemos. Apenas sabemos que era funcionária dos CTT, conforme já referimos anteriormente, exercendo o seu posto na Praça dos Restauradores, em Lisboa. A respeito dos CTT não deixa de ser curioso também que também nesse ano, foi gravado ainda para a mesma editora um disco do Coral dos CTT. Teria Maria de Pádua pertencido ao Coral dos CTT ? No referido disco, como era hábito na altura, a ausência de informação era a regra geral e, para não fugir à regra nenhuma referência à composição do coro encontramos no referido disco, pelo que também essa pista pouco nos ajudará de futuro. Resta-nos, mais uma vez e como já vem sendo hábito, aguardar que algum leitor nos ajude a encontrar o paradeiro desta artista, cujos excertos de duas canções aqui deixamos aos nossos leitores.


Clique no Play para ouvir um excerto de "Dobadoira" e  "S. João das Orvalhadas"

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Dinorah Carmén - Não ameaces

Certamente que só alguns entendidos do fado (e mesmo assim só aqueles de uma faixa etária mais elevada) se lembrarão do nome de Dinora(h) Cármen. Afirmamos isto de forma categórica por duas razões: a primeira prende-se com o facto de Dinorah Cármen ter tido um percurso musical em terras lusas há já muitas décadas atrás e, por outro lado, pelo facto desse mesmo percurso ter sido relativamente efémero, na medida em que Dinorah ter-se-á radicado nos Estados Unidos ainda na década de 60, aquando do seu casamento com um cidadão norte-americano. Aliás, ao fazermos esta pequena incursão pela figura de Dinorah Cármen, pretendemos simultaneamente (re) lembrar alguns artistas portugueses que fizeram carreira fora de portas e que elevaram mundialmente o fado e a música portuguesa além-fronteiras quase como verdadeiros símbolos da nossa identidade nacional. Alguns desses exemplos são sobejamente conhecidos, tais como Francisco José e Alberto Ribeiro (no Brasil), António Rossano e Clara d'Ovar (em Paris) e no que aos Estados Unidos diz respeito, os nomes de Maria Marques ou Valentina Félix são incontornáveis, entre muitos outros. 

Contudo, o caso de Dinorah Cármen é para nós muito mais interessante e enigmático, não só pelas razões que apontámos como também por ter sido a única artista portuguesa (que conhecemos) que cantou para o então presidente americano, J.F. Kennedy. É que embora conheçamos (até pessoalmente) alguns artistas portugueses que cantaram para presidentes e reis,  o caso de Dinorah Carmen, por ter envolvido a figura do carismático presidente americano (ainda que como mero espectador) assume desde logo uma áurea com todo o simbolismo que não podemos olvidar, uma vez que na memória colectiva da história mais recente da Humanidade permanecerá durante muitos anos a celebre actuação e demonstração de afecto de Marilyn Monroe quando cantou os parabéns ao presidente Kennedy numa cerimónia oficial. Obviamente que, no que diz respeito a esta artista portuguesa, tal episódio foi um mero acaso, com pouca ou nenhuma expressão mas que mesmo assim merece ser registado. 

Foto de Dinorah Cármen, constante na contracapa do disco.
Sobre a vida e carreira de Dinorah Cármen  conforme já aflorámos, pouco sabemos. No entanto, podemos adiantar que se estreou nos anos 50 num programa radiofónico do famoso Marques Vidal, no RCP, tendo ganho o primeiro prémio de um concurso de fados, organizado pelo poeta Francisco Radamauto. O famoso episódio com o presidente Kennedy, terá ocorrido em 1961 nas Bermudas, onde Dinorah actuou durante 6 meses,  tendo sido nessa altura que cantou para o presidente americano, que se encontrava na assistência num espectáculo realizado num hotel local. Nesse mesmo ano, em Novembro e uma vez regressada a Portugal, voltou ao ambiente das casas típicas, onde actuava no Bairro Alto. Em Maio de 1965, depois de ter conhecido o seu futuro marido, num outro restaurante típico da capital, anunciou o seu casamento por procuração com um cidadão norte-americano no mês de Junho seguinte, tendo sido nessa altura que gravou o seu primeiro disco, aproveitando a sua estadia em Portugal. Desde então, não mais se ouviu falar de Dinorah Cármen   E é tudo, para já, sobre esta fadista.
Não nos espantaria, contudo,  se Dinorah Cármen tivesse abandonado por completo a vida artística (conforme era, aliás, sua vontade) após o casamento, tal como fizeram muitas outras artistas da época. Gostaríamos de recolher mais informações sobre esta fadista que tão curto legado nos deixou e cujas gravações (ainda que de má qualidade sonora) partilhamos com os nossos leitores, pelo que nos mantemos, como sempre, à espera dos comentários dos leitores.


Clique no Play para ouvir o tema "Não ameaçes" 
Dinorah Carmen 
Alvorada AEP 60728
Lado A1 - Não ameaçes (Túlio Pereira/ Carlos Conde)
Lado A2 - Alguém (Miguel Ramos/ Dr. Guilherme Pereira da Rosa) 
Lado B1 - Eu sei (Alfredo Marceneiro/ Júlio de Sousa) 
Lado B2 - Para que nasci, meu Deus (João Maria dos Anjos/ Armando Vieira Pinto)

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Eduardo Futre - Chuva vai, chuva vem

Apresentaremos hoje um nome totalmente obscuro da nossa música popular e cuja expressão discográfica foi praticamente nula. Falamos de Eduardo Futry, ou mais correctamente, Eduardo Futre, artista que atingiu grande popularidade há muitas décadas atrás, principalmente no período compreendido entre o final dos anos trinta e o ano de 1955 e cujo nome foi acidentalmente recuperado em finais dos anos 70, ainda a tempo da sua voz poder ficar registada numa gravação sonora.
O caso de Eduardo Futre não é, no entanto, caso único no universo musical português. Existiram muitos artistas que, não obstante a sua popularidade e consagração, não gravaram qualquer disco ou qualquer canção (Um dos casos mais flagrantes é a cançonetista Patrícia, que chegou a ser capa de revistas e ter largos espaços em revistas da época durante mais de duas décadas sem nunca ter gravado qualquer disco. E muitos outros exemplos poderíamos deixar aqui registados...). Naturalmente os tempos eram outros, não sendo demais relembrar os jovens leitores que gravar comercialmente dois lados de um disco de 78 rotações era um acontecimento muito raro para um artista português, não estranhando, aliás, que a maior parte das gravações de artistas portugueses eram efectuadas no estrangeiro.


Mas voltemos a Eduardo Futre, que se apresentava em palco acompanhado com uma viola negra que na altura ficou célebre, interpretando (um pouco ao jeito de Horacio Reynaldo) canções do folclore brasileiro, bem como alguns temas originais, imprimindo-lhe sempre com um cunho muito pessoal, ainda que sempre influenciado pelo folclore carioca.
Natural de Setúbal, Eduardo Futre começou a cantar com apenas 17 anos, numa sessão de fados no Solar da Alegria. Desde então a sua carreira não mais parou, tendo tido relativo sucesso na época, à semelhança de outros seus pares. Com efeito, Futre era também presença assídua nos Serões da F.N.A.T. e em alguns espectáculos de variedades da A.P.A, do qual chegou a ser artista privativo, tendo feito inúmeros duetos com a célebre cançonetista da época Maria do Carmo. Actuou ainda noutros espectáculos de variedades ao lado de artistas consagrados da época, como Tony de Matos, Maria José Valério, Eugénia Lima e Luis Piçarra, entre muitos outros.
Eduardo Futre, cerca de 1950
Contudo, conforme já referimos, Eduardo Futre nunca gravou comercialmente na época do seu apogeu enquanto intérprete e artista. Curioso é que, surpreendentemente e ao contrário do que se possa imaginar, Futre não gravou qualquer disco, não por dificuldades de logística, mas sim por ter recusado o cachet de 500$00 que, então lhe ofereciam, para ir gravar a Espanha (provavelmente para a Ibéria) alguns números do seu repertório. Na verdade, na altura, Eduardo Futre entendeu que tal cachet era desajustado face ao valor e popularidade que gozava na época. Sobre essa recusa, Futre viria muitos anos mais tarde a arrepender-se, conforme confessou numa entrevista publicada já na década de 70 numa revista de actualidades.
Paulatinamente, o nome de Eduardo Futre foi desaparecendo das escaparates do mundo do espectáculo, tendo também, à semelhança de muitos outros, saído da então Metrópele para o Ultramar, onde foi animador privativo num barco durante dois anos. Pouco tempo mais tarde,com o casamento e posterior fixação de residência em Lourenço Marques, reduziu drasticamente a sua actividade artística, empregando-se como mecânico, afinador de máquinas, entre outros empregos ocasionais. Porém, o abandono total da actividade artistica, foi algo que nunca se verificou plenamente, nem mesmo quando andou pelo estrangeiro até ao seu regresso a Portugal.
Foi aliás, em finais dos anos 70, que a Editora PortugalCantante, sabendo do seu regresso a Portugal, registou, aquelas que pensamos serem as únicas gravações em disco de Eduardo Futre, anunciando Futre como o regressado "cantor luso-brasileiro" (o que, conforme já referimos, não corresponde à verdade, pois Eduardo Futre é português).
Aquando da gravação do seu primeiro disco, por certo já ninguém conhecia ou se lembraria de Eduardo Futre, que um dia regressou a Portugal com a ilusão de que seu nome ainda perdurava na memória colectiva dos portugueses. Contudo, não terá sido, assim, cremos... O tempo dos espectáculos radiofónicos já havia passado e as grandes orquestras ao serviço da canção estavam então reduzidas a uma verdadeira manta de retalhos. Ainda assim, Eduardo Futre teve a ousadia de acreditar no relançamento da sua carreira, deixando para a história da música gravada as gravações que hoje deixamos aos nossos leitores.


Clique no Play para ouvir "Chuva vai, chuva vem" 
Eduardo Futre - "Cantor Luso-Brasileiro"
Portugalcantante PCEP-027
Lado A1 - Compadre tá tudo certo (Eduardo Futry)
Lado A2 - Dez anos (D.R.)
Lado B1 - Chuva vai, chuva vem (Eduardo Futry)
Lado B2 - Porteira, suba e diga (D.R.)