quarta-feira, 2 de julho de 2014

Maria de Fátima Bravo - Revelação

Revelada através do Centro de Preparação de Artistas da Emissora Nacional, Maria de Fátima Bravo foi uma das primeiras vedetas da canção portuguesa e uma das suas melhores vozes. O seu nome ficará para sempre associado à canção “Vocês Sabem Lá”, um dos maiores clássicos da canção portuguesa, escrita pela dupla Nóbrega e Sousa e Jerónimo Bragança. Por tal razão, o seu nome, aparentemente, não teria lugar cativo no Bairro do Vinil, pois, conforme já escrevemos antes, o espírito deste espaço é direccionado para artistas menos conhecidos ou então para fases obscuras de artistas mais conhecidos. No entanto, o interesse da canção que hoje damos a conhecer aos nossos ouvintes justifica por completo este texto. Falamos de uma canção inédita, com o nome de “Revelação”. 
Segundo apuramos junto da própria artista, a canção “Revelação” terá sido uma de entre as duas primeiras canções escritas (propositadamente) para a voz de Maria de Fátima Bravo, quando esta ainda se encontrava no Centro de Preparação de Artistas (CPR) por volta de 1957.  Esta canção, tal como a outra (“Algarve de sonho”, que mais tarde seria gravada por António Calvário) foi escrita pelo maestro Joaquim Luís Gomes, com letra de Hernâni Correia e reporta-se, portanto, a uma altura mais recuada de “Vocês sabem lá”, canção com a qual venceria o I Festival RTP da Canção, em 1958.

Maria de Fátima Bravo, por volta de 1958
Sobre a origem do acetato que partilhamos hoje com os nossos leitores, não podemos adiantar qualquer explicação rigorosa que nos permita ter a certeza absoluta sobre quais as circunstâncias que rodearam a sua gravação, tanto mais que o referido acetato é da RTF (Radiodiffusion-Télévision Française).
No entanto, uma de duas hipóteses consideramos como possíveis: A primeira e a mais plausível, prende-se com o facto de, ainda antes de terem gravações comerciais, os alunos mais promissores do CPR actuavam em directo na Emissora (daí resultando a gravação da actuação), ou então gravavam prévios acetatos que mais tarde seriam apresentados nos programas da Emissora na impossibilidade de cantarem em directo. Ora, segundo referiu Maria de Fátima Bravo, terá sido bem provável que após o sucesso de “Vocês sabem lá”, uma dessas suas primeiras gravações tenha sido copiada de um acetato da Emissora Nacional para um acetato da Emissora Francesa, aquando da vinda a Portugal de representantes franceses a um grande espectáculo que ocorreu no Cinema Império onde técnicos e representantes das duas emissoras se encontraram em finais dos anos 50.
Maria de Fátima Bravo em 1961, pouco tempo antes de se retirar da vida artística.
Outra possibilidade que também consideramos plausível é tratar-se (pese embora o estranho label da RTF) de um acetato original da Emissora Nacional mas gravado a partir de um acetato estrangeiro, proveniente de um lote de acetatos comprados ou dispensados de outras estações de rádio, o que não seria facto inédito em Portugal, face aos poucos recursos e meios técnicos existentes à data da gravação.
Seja como for, certo é que a canção em causa, não foi gravada em Paris e remonta a uma data anterior às gravações comerciais de Maria de Fátima Bravo, quando esta ainda não era conhecida pelo grande público. Por esse motivo, consideramos tratar-se esta gravação de uma verdadeira raridade.
Uma nota final para o som da gravação que não se encontra nas melhores condições, devido à ausência de meios técnicos para o efeito e também devido ao estado do acetato, que se encontra algo danificado. Ainda assim foi o melhor que conseguimos fazer.




Clique no play para ouvir um excerto da canção

sexta-feira, 25 de abril de 2014

António Rossano - Um artista ecléctico

No dia em que se comemora a Liberdade em Portugal, optámos, ao contrário do que fizemos nos anos anteriores, por publicar um texto de cariz não político e referente a um dos maiores nomes do music-hall português, ainda que o sucesso do artista em questão se tenha verificado de forma mais preponderante no estrangeiro, nomeadamente em França.
Falamos de António Rossano (de verdadeiro nome António Baião), cantor que frequentou a escola de canto do Maestro Cruz e Sousa, onde aperfeiçoou a sua voz de tenor. Após uma curta participação nos Companheiros da Alegria, em finais dos anos 50, seguiu para Espanha onde obteve sucesso actuando em cabarets, na rádio e, inclusive, na Televisão espanhola. 
Face ao relativo sucesso alcançado em Espanha, tudo indicaria que em Portugal António Rossano viria a confirmar o seu estatuto de vedeta emergente no panorama artístico português. No entanto, Portugal continuava a fechar-lhe as portas, devido à falta de contratos e a algum desinteresse no estilo da sua interpretação, tendo actuado apenas em alguns serões para trabalhadores e pouco mais. Para além disso, António Rossano, após prestar as devidas provas, veria a recém criada Rádio Televisão Portuguesa recusar-lhe a sua admissão nas emissões televisivas por “não possuir as qualidades necessárias para actuar naquela emissora”.
Porém, a sorte mudaria quando um casal francês (cliente de um Hotel no Luso onde António Rossano se encontrava a actuar) o ouviu cantar, tendo gostado e imediatamente o encaminhado para Paris, onde passados apenas 15 dias já se encontrava a actuar na televisão francesa, tendo pouco tempo depois assinado pela famosa etiqueta discográfica Barclay, para a qual gravou inúmeros discos nas mais diversas línguas e nos mais diversos estilos. De facto, em pouco tempo, António Rossano de artista rejeitado em Portugal passou a ser um artista relativamente conhecido em França, onde para além das canções, fez desde 1958 em diante teatro, operetas, contracenando ao lado das mais importantes figuras da canção e do mundo do espectáculo.
António Rossano, nos anos 50.
 Temos a plena noção que meia dúzia de linhas são insuficientes para resumir a carreira de um cantor outrora tão conhecido e que com o passar dos anos, caiu por completo no esquecimento dos portugueses em geral e das pessoas ligadas ao espectáculo em particular. É que António Rossano, foi, sem qualquer sombra de dúvida, uma figura de cartaz, fazendo frente em termos de popularidade com nomes bem consagrados do nosso panorama musical. Contudo, parece-nos que o destino de António Rossano em Portugal, sempre esteve traçado e que o reconhecimento público em terras lusas nunca lhe esteve destinado. É pena... Para além da sua extraordinária voz, há em António Rossano uma teatralidade latejante em todas as suas interpretações, difícil de encontrar nos tempos de hoje e que poucos outrora conseguiram alcançar. Por outro lado, não podemos deixar de sublinhar o seu lado ecléctico, bem evidenciado nas canções que escolhemos para mostrar aos nossos leitores. Na verdade, António Rossano, cantou nas mais diversas línguas, italiano, espanhol e em francês, língua esta em cujas canções imprimia o carisma bem próprio dos melhores intérpretes da chanson francaise.

Porém, ainda assim, não podemos olvidar que António Rossano teve também a oportunidade de gravar alguns discos em Portugal, por altura de uma das suas estadias em terras lusas. E é precisamente uma amostra do seu primeiro disco gravado em Portugal que temos para mostrar aos nossos leitores, na qual António Rossano evidencia as suas capacidades interpretativas, num disco de quase puro yé-yé, com tendências líricas, por vezes um pouco desproporcionadas ao estilo que interpretou nesse disco, convenhamos referir. No entanto, cremos que tal em nada belisca a riqueza destas gravações, nem mesmo o facto de as mesmas mais não serem versões de temas estrangeiros, adaptadas por António José e Romeira Alves. Tal facto deve-se, cremos, talvez à urgência de encontrar reportório para António Rossano, aquando da sua estadia em Portugal no início dos anos 60 para que o mesmo pudesse efectuar algumas gravações comerciais em Portugal. Pouco tempo depois, António Rossano viria a gravar novo disco, desta vez já com temas compostos e escritos por autores portugueses e acompanhado pela orquestra de Jorge Costa Pinto (ao contrário do primeiro disco em Portugal, onde foi acompanhado por uma orquestra dirigida pelo maestro francês André Livernaux).
Sobre o paradeiro de António Rossano, pouco sabemos, nem se o mesmo ainda se encontra entre nós, o que esperamos, pois muita história terá para contar. Dele apenas sabemos que, ainda nos anos 60, terá ido para Bélgica, onde se radicou, sendo proprietário de um restaurante onde cantava. Resta-nos, como sempre, esperar que algum leitor mais atento, nos ajude a encontrar mais informações sobre este cantor. Para já, fica um mix de dois dos seus discos: o primeiro gravado em Portugal para a RCA e o excerto de um outro disco gravado para a etiqueta que o popularizou, a Barclay.



Clique no Play para um excerto de algumas gravações de António Rossano

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Viçoso Caetano - Balada dos Boinas Verdes

Regressamos para apresentar um cantor que seguramente muito poucos conhecerão. Aliás, nem sequer sabemos se o mesmo terá sido um verdadeiro cantor de carreira firmada, ou se, bem pelo contrário, a sua incursão pela música não terá sido um acto meramente esporádico, como temos por quase certo. Viçoso Caetano é o seu nome, aliás, um nome verdadeiramente desconhecido e dificilmente memorizável.
No entanto, não duvidamos que a sua voz já terá sido certamente ouvida por muitos militares portugueses pois a ela se deve a única versão portuguesa da célebre canção “Balada dos Boinas Verdes” (Ballad of the Green Berets, o hino das forças especiais norte-americanas Green Berets, originalmente cantada pelo sargento americano Barry Sadler e da autoria de Robin Moore) e que viria a ser traduzida, adaptada e cantada por Viçoso Caetano para português, tendo sido mais tarde adoptada como o hino (oficioso) dos paraquedistas portugueses.
Se por um lado é verdade que muitos até conhecerão o Hino dos Paraquedistas portugueses, não deixará de ser menos verdade que serão seguramente muito poucos os que saberão a quem pertence a voz que o canta. Tal informação não é, aliás, muito divulgada, razão pela qual se impõe em tempo útil a sua divulgação para completo esclarecimento dos potenciais interessados.





Diga-se ainda que sobre Viçoso Caetano, não logramos recolher muita informação, para alguém de algumas referências na internet que a ele se referem como um ex-alferes miliciano, com serviço militar cumprido em Lourenço Marques, sendo conhecido como o poeta de Fornos de Algodres, terra onde ainda hoje viverá.
Quanto à sua carreira, não temos grandes dúvidas em afirmar que a sua aventura pela música terá sido meramente passageira, quiçá inspirada nos tempos de camaradagem do serviço militar, sendo muito provavelmente o disco em causa reflexo desses tempos, não sendo surpresa para nós admitir que possa ter sido gravado ainda durante o cumprimento do serviço militar.
Não deixa de ser também muito curioso o facto de o lado A do disco conter precisamente dois temas em crioulo “Hê Filore” e “A iala Wanuna”, que nos conduzem para o folclore africano e para um canto em crioulo que calculamos ser de Moçambique, embora não o possamos afirmar com toda a certeza por não sermos conhecedores do dialecto em causa.
Pouco mais haverá a acrescentar relativamente a este disco, com orquestrações e coros dirigidos pelo maestro Joaquim Luís Gomes e com a voz bem timbrada de Viçoso Caetano, que retiramos hoje do esquecimento.



Clique no Play para ouvir os temas: "A iala Wanuna" e "Balada dos Boinas Verdes"

Viçoso Caetano - Balada dos Boinas Verdes
Parlophone LMEP 1275 
A) Hê Filore/ A iala Wanuna
B) Balada dos boinas verdes/ Oh minha terra

sábado, 29 de março de 2014

Fernanda da Luz - Igualdade

Hoje apresentamos um dos discos mais desconcertantes que já ouvimos em toda a nossa vida. É que, para além do interesse e da ambiguidade que as letras das canções só por si encerram no próprio contexto do disco, há também a destacar o facto de a intrigante e bela fadista em causa ter desaparecido sem deixar qualquer rasto no universo fadista (à semelhança de outras fadistas da época), sendo o seu paradeiro um verdadeiro mistério.
No que àquele que pensamos ser o seu único disco diz respeito, arriscamo-nos a deixar aqui uma opinião que muitos considerarão um grande disparate. Mas, por mais voltas que demos, não o conseguimos deixar de classificar (pelo menos tematicamente) como um disco de fado conceptual, o que desde logo, admita-se, já por si só é um estranho conceito atendendo ao género musical a que nos referimos.
As letras escritas por Fernanda Oliveira (e outra por Francisco Radamento), de forma consciente ou não, têm como temática um conceito muito preciso: o estranho lamento de uma esposa que ama o seu marido apesar deste ser o oposto da dedicação que a sua esposa lhe devota. E acreditem, leitores, que não foi fácil chegar a esta definição....

É que na realidade o disco, conforme se disse, é todo ele um estranho contracenso e um oposto de sentimentos que paradoxalmente vão desaguar num consenso: o amor de uma mulher ao seu marido. Na verdade, este E.P. da Alvorada é dominado por três canções, com letra de estilo narrativo, cantadas na primeira pessoa por uma esposa que aparentemente se encontra revoltada com a sua condição de mulher desprezada por um marido que tem por hábito chegar de madrugada a casa (provavelmente vindo da taberna). A expressão máxima dessa revolta corporiza-se na letra que dá corpo ao fado “Igualdade”, segundo o qual aquela pobre mulher, numa tentativa de emancipação acaba por dar o troco ao marido, fazendo o mesmo, ou seja, saindo de casa (para visitar a mãe) durante a noite ao ponto de o seu marido ter chegado a casa e não a ter encontrado, tendo ficado surpreendido por não ver a sua mulher deitada. Neste fado, o resultado final da acção da esposa acabou por dar os seus frutos, na medida em que o seu marido, desde esse dia, alterou mesmo o seu comportamento ao ponto de “assim que a lua aparecia” já se encontrar metido na cama.
Não podemos deixar de ficar indiferentes ao conteúdo da letra “Igualdade” que, diga-se, se tivesse sido gravada isoladamente, ou seja, num disco de uma face só, muita polémica teria provocado (caso a censura da época a deixasse escapar, claro). Porém, como tal canção se encontra inserida num disco em que Fernanda da Luz canta também os temas “Amor à pancada“ e “Meu esposo”, aquela letra acaba por perder qualquer força, transformando o que aparentemente parecia ser um disco de crítica social e um disco (de intervenção) feminista numa autêntica paródia machista. Para tal basta o leitor centrar-se em algumas ideias-base da canção “Amor à pancada”, título que nos tempos que hoje correm, bem poderia travestir-se numa forma também conceptual apelidada de violência doméstica. Para tal basta referir que se defende que o amor sem pancada nunca chega a ser amor enquanto ideal central deste fado, aliada a uma segunda ideia-base: a extrema dedicação desta (afinal) submissa esposa que não se importa de levar porrada!
Parece-nos, contudo, que o extremo da contradição surge com o último fado, “Meu Esposo”, no qual, mais uma vez a mesma esposa (novamente na primeira pessoa) parece afinal negar toda a letra do tema “Igualdade”, ao assumir a manifesta desigualdade entre a si e o seu marido no que à questão da igualdade dizia respeito. Ou seja, se no tema “Igualdade”, se revolta contra uma situação desigual, nesta última canção não só se conforma com essa mesma desigualdade, como também a confirma respondendo ao seu marido com uma dúzia de beijos.
Naturalmente, estamos perante um disco interessante mas de análise difícil e que, sinceramente, muito nos tem intrigado. Sendo certo que Fernanda da Luz foi apenas a mulher que deu a voz às letras que lhe foram dadas para ela cantar, sendo de todo impossível, face aos poucos elementos que possuímos sobre a gravação deste disco, chegar a uma conclusão que não seja mera especulação sobre as intenções que verdadeiramente estiveram por detrás da gravação destas três canções.

Fernanda da Luz, por altura da gravação do disco

Sobre Fernanda da Luz, é muito pouco o que podemos partilhar com os nossos leitores, sendo certo que deles esperamos a preciosa ajuda para desvendarmos um pouco mais desta fadista, a cuja graciosidade ficámos desde sempre rendidos. Ainda assim, adiantamos que se estreou como profissional em 1958 no café Luso em Lisboa, tendo ganho, inclusive, um concurso e sido coroada como “rainha” num concurso de “cantadeiras” (como na época se chamavam). Trabalhou depois em vários retiros, incluindo a casa de fados da famosa Márcia Condessa. Depois foi para o Porto, cantando em quase todas as casas de fado portuenses (A candeia, O tamariz e o Palladium). Em Maio de 1965, depois do seu reaparecimento, aceitou um convite para cantar em Angola durante vários meses, local onde ainda se encontrava em Junho desse ano, juntamente com fadistas que ai se encontravam a cantar, tais como Henriqueta de Almeida, Maria Emília, Mimi de Sousa, Maly Socorro, Maria Silvestre (outra desaparecida ...) e Lourdes Oliveira. Depois dessa data, não mais ouvimos falar de Fernanda da Luz. Terá casado em Angola ? Terá abandonado a vida artística ? Os leitores atentos o dirão.


Clique no Play para ouvir  (excepcionalmente na íntegra, pelo seu interesse) os fados "Igualdade", "Amor à pancada" e "Meu esposo"

Fernanda da Luz 
Alvorada MEP 60313
A) Chiquinho Faia (José Marques/ Fernanda de Oliveira) / Igualdade (João da Mata/ Fernanda de Oliveira)
B) Amor à pancada (Alfredo Marceneiro/ Francisco Radamanto) / Meu esposo (Casimiro Ramos/ Fernanda de Oliveira) 
Acompanhamento: Marcírio Ferreira, António Proença e José Maria Carvalho


sábado, 8 de fevereiro de 2014

Beatriz de Sousa Santos - Uma vedeta totalmente ignorada

Uma das figuras mais distintas da música portuguesa de todos os tempos é também simultaneamente uma das mais esquecidas pela nossa imprensa (mesmo a especializada). Cabe-nos a nós contribuir para que a memória de alguns sobreviventes dessa época não se esmoreça, bem como contribuir para que outros fiquem a conhecer (ainda que com algumas décadas de distância) essa grande pianista que foi Beatriz de Sousa Santos.
Beatriz de Sousa Santos era uma artista peculiar e foi esse aspecto que sempre a caracterizou. De facto, não podemos olvidar que na época de 40 e 50 foi uma das poucas mulheres que se destacou como instrumentista num universo predominantemente masculino. Contudo, a singularidade de Beatriz de Sousa Santos vai muito para além disso, pois outras mulheres solistas instrumentistas co-existiram na mesma altura. O que mais se destaca é simplesmente a linha artística que a mesma seguiu, pois embora tivesse adoptado como instrumento de eleição o piano, afastou-se da linha clássica da altura, aderindo aos ritmos modernos sobre teclas e à improvisação sobre temas estrangeiros aprendidos de ouvido em noites às claras junto ao seu rádio receptor.

Em inícios de 1944, o director musical da NBC, enviou-lhe um telegrama com uma proposta milionária para actuar nas emissões normais daquela estação. O telegrama tinha os seguintes dizeres: “Oferecemos contrato de executante de piano, música moderna, com ordenado anual de dez mil dólares para actuar nas emissões normais da N.B.C. Queira responder”. 
Contudo, contrariamente ao que fora noticiado na época com grande destaque na imprensa, Beatriz de Sousa Santos, acabou por recusar tal convite, ficando-se por Portugal onde fez toda a sua carreira, fosse como pianista residente do Hotel Mundial (onde terá permanecido cerca de 19 anos), seja na Emissora Nacional, onde colaborou com assiduidade com Mota Pereira, no Centro de Preparação de Artistas de Rádio, desde a sua fundação em 1947. Não deixa de ser curioso que Beatriz de Sousa Santos chegou a confessar ter medo das audiências de milhões de ouvintes nos Estados Unidos ao mesmo tempo que admitia ser um sonho trabalhar com os coros de All Johnson, ou conhecer Bing Crosby ou Vera Lynn, que na altura fariam furor na N.B.C. Terá sido a sua exagerada modéstia que a impediu de se tornar mundialmente famosa, não duvidamos.
Beatriz de Sousa Santos, nos anos 40


Temos plena consciência que as novas gerações provavelmente nunca ouviram falar de Beatriz de Sousa Santos, pois o apogeu da sua carreira ocorreu há mais de 50 anos , durante as décadas de 40 e de 50 do século passado. No entanto, não deixamos de lamentar que tão ilustre e mediática figura não conste em qualquer obra de carácter enciclopédico virada para a música ou para as artes e o espectáculo. Uma verdadeira lacuna. Veremos o que o futuro nos reserva.
Escusado será dizer, como aliás bem se salienta no blogue “Isto é Espectáculo” que Beatriz de Sousa Santos morreria na miséria, totalmente esquecida pelo público e por aqueles que outrora do seu talento se serviram para promover a imagem da cultura e do talento dos portugueses.
Caso algum leitor disponha de mais dados sobre esta figura incontornável gostaríamos que entrasse em contacto connosco. Para já, deixamos para os nossos ouvintes e leitores uma pouco da música de Beatriz de Sousa Santos.



Beatriz de Sousa Santos 
Alvorada MEP 60209
A1) Canção do mar - Estoril - Sempre que Lisboa canta 
A2) Chove lá fora - La paloma - Cielito lindo
B1) Flamingo - Woman in love
B2) La piu bella del mondo - Parole e musica - Chau Chau bambina

Clique no play para ouvir a última canção do lado B.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Alberto Ramos - Falecimento

Foi com enorme pesar que soubemos, pela família de Alberto Ramos, que este faleceu ontem em Cascais aos 83 anos. Infelizmente, por falta de tempo (devido aos nossos afazeres profissionais) não nos foi possível actualizar com mais informação e na devida altura o texto que aqui escrevemos sobre Alberto Ramos, que gentilmente entrou em contacto connosco, após leitura desse texto. 
Infelizmente também, por motivos de saúde daquele, também não conseguimos em devido tempo encontrar-nos pessoalmente com Alberto Ramos, que nos iria contar histórias de uma longa vida dedicada ao espectáculo.
Ainda assim, conseguimos ainda em vida deste presenteá-lo com um CD com cópia de todas as suas gravações dos seus discso que se haviam extraviado, para grande seu grande contentamento. É este lado mais humano do nosso blogue que tanto nos orgulha.
A toda a família, deixamos as nossas sentidas condolências.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Santinho das Neves - Arriba a leva

São poucos os artistas que conhecemos que conseguiram conciliar a actividade artística com qualquer outro tipo de actividade profissional. Em regra, a primeira era preterida em favor da segunda, face à escassez de espectáculos regulares e, sobretudo, porque do ponto de vista financeiro a vida artística era pouco atraente para a esmagadora maioria dos artistas.
Ainda mais raro era a conciliação das lides do espectáculo com o desporto. Não porque existisse um antagonismo necessário entre estas actividades, ou uma suposta incompatibilidade entre a vertente física e a vertente mais artística do ser humano, mas sim porque também neste domínio não existiam grandes oportunidades de prosseguimento de uma carreira desportiva em regime profissional. Ainda assim, de memória, relembramos, por exemplo, entre outros, o caso da cançonetista Manuela Novaes que se sagrou campeã nacional de lançamento do disco e do ex-futebolista Diamantino (não confundir com Diamantino Miranda, glória do Benfica) que também gravou discos, ou ainda de um caso bem mais conhecido a nível mundial: Júlio Iglésias, guarda-redes (suplente) do Real Madrid, que atingiu sucesso à escala planetária.


O caso que recuperamos hoje do esquecimento é também de um atleta do Sporting Clube de Portugal (entre outros clubes) de nome Manuel Santinho das Neves, que foi nada mais, nada menos do que 10 vezes campeão nacional de lançamento do dardo. Para uma parca biografia da sua carreira, socorremo-nos da contracapa do disco, onde se pode ler que Santinho das Neves começou a cantar e a tocar viola ainda em garoto, tendo começado a cantar em público nas suas deslocações ao estrangeiro, em Copenhaga, Malmo, Amsterdão e nas ex-colónias portuguesas. Contudo, o seu compromisso com o atletismo foi retardando a gravação do seu primeiro disco (e único que dele conhecemos), cuja produção, aliás, foi interrompida por diversas vezes devido a competições no estrangeiro.
Não deixa de ser curioso o facto de aí se escrever também que este era o primeiro disco de um português que, em Portugal era conhecido apenas como atleta mas que no estrangeiro era conhecido sobretudo como um artista. È que na verdade, em Portugal, Santinho destacou-se sobretudo no atletismo, principalmente na disciplina do Lançamento do Dardo, quando “na época de 1959, durante o Torneio Primavera, conseguiu um surpreendente lançamento de 64,03m, que era simultaneamente Recorde Nacional e Recorde Ibérico. Posteriormente melhorou várias vezes esse recorde, até o fixar em 71,38m, durante um Portugal-França disputado em Julho de 1966, uma marca que perdurou mais de 18 anos. A sua carreira teve altos e baixos, em grande parte porque se radicou em França, pelo que só vinha a Portugal na altura das competições principais, mostrando-se sempre disponível para ajudar o Sporting e destacando-se pela positiva com os 5 títulos de Campeão de Portugal do Lançamento do Dardo, obtidos entre 1962 e 1972, quatro dos quais em representação do Sporting (1962, 1967, 1971 e 1972) e um enquanto atleta individual (1965).” 

Foto e texto em itálico, da Wikipedia do Sporting, in http://www.forumscp.com/wiki/index.php?title=Santinho_das_Neves
Em termos de vida artística, desconhecemos se Santinho das Neves tenha gravado discos em França, ou se o disco que hoje apresentamos não terá passado de uma mera aventura isolada. No entanto, apesar de não se tratar de um disco surpreendente, não podemos deixar de salientar os interessantes arranjos de Jorge Machado, que dão aos quatro temas que compõem o disco um salutar equilíbrio entre a vertente orquestral e a vertente popular das canções que o compõem,  “Sapatinho” e “Arriba a leva” (de cariz popular)  e os restantes dois temas “De cabeça à roda“ e “Ver o mar”, curiosamente com música do também atleta e respeitado sportinguista Moniz Pereira, também elas num registo a lembrar o canto popular. 

Fica então um excerto destas quatro canções para os nossos leitores.


Santinho das Neves 
RCA Victor TP 596
A1) De cabeça à roda (Moniz Pereira - Fernando Correia)
A2) Sapatinho (Popular - Arranjos - Jorge Machado)
B1) Ver o mar (Moniz Pereira - Emílio Vasco)
B2) Arriba a leva (Popular - Arranjos Jorge Machado)