terça-feira, 31 de julho de 2012

Maria Helena - Uma artista renascida


Confessamos que o texto sobre a artista que hoje trazemos à memória não estava, pelo menos para já, dentro das nossas cogitações imediatas. No entanto, um episódio que tem tanto de insólito como de lamentável, apressou-nos a escrever com urgência um texto sobre a artista brasileira Maria Helena, que durante alguns anos fez sucesso em Portugal, país que, aliás, sempre a tratou como se de uma verdadeira portuguesa se tratasse.
Conforme já referimos, Maria Helena era brasileira. Nasceu nos anos 40 , no estado de S. Paulo, no seio de uma família de alta aristocracia brasileira. Seus pais, empresários de profissão, incentivaram-na a tirar um curso de letras no Brasil. No entanto e contra a vontade da família, Maria Helena sempre quis ingressar no mundo do espectáculo, ansiando ser cançonetista, embora nunca tivesse tido aulas de canto para o efeito, tendo apenas tirado um curso de piano. Como que renunciasse a toda a vida abastada que os seus pais lhe poderiam oferecer, Maria Helena, já nos meandros da vida artística e integrada num conjunto local brasileiro (cujo nome não conseguimos apurar mas que tinha como elemento o pianista Robledo, que tocou com Agostinho dos Santos), teve a oportunidade de um dia vir a Lisboa em inícios dos anos 60 com o seu conjunto a fim de cumprir um contrato num cabaret lisboeta. Terá sido, portanto, nessa altura que Maria Helena veio a Portugal pela primeira vez, sempre contra a vontade da sua família. Uma outra versão sobre a primeira estadia de Maria Helena em Portugal existe ainda, que é a que temos lido em algumas revistas da época, referindo que Maria Helena terá vindo a Portugal como simples turista e que por cá ficou, após terem descoberto a sua voz por mero acaso. No entanto, parece-nos, pela análise da (escassa) "documentação" que temos sobre esta artista, que esta segunda versão não passará de um resumo romanciado e fantasiado sobre vinda de Maria Helena a Portugal pela primeira vez. De facto, o que podemos assegurar é que a sua vinda a Portugal, coincidiu o convite daquele conjunto brasileiro, que a descobrira poucos dias antes no Brasil e que poucos dias depois a convidara para seguir em digressão com eles para a Europa e nomeadamente para Portugal.

Capa do disco de Maria Helena

Segundo rezam as crónicas, a especial relação de Maria Helena com Portugal (e com Lisboa em particular) iniciou-se aquando dessa visita, altura em que ficou encantada com o nosso país, por aqui tendo ficado depois dessa actuação, dado o reconhecimento que a sua voz teve em diversos pontos do país e junto dos promotores e agentes artísticos portugueses. Na verdade, semanas depois estreava-se em Lisboa, no Maxime e pouco tempo depois surgiram convites para actuar em Barcelona, em Madrid e na Televisão Espanhola.
A carreira artística de Maria Helena em Portugal corria a um ritmo desenfreado, tendo sido transformada pelos portugueses numa verdadeira vedeta. Fez teatro, revistas e participou no filme "Pão, amor e totobola", tendo aliás gravado canções para esse filme, juntamente com Zeca do Rock. Em Maio de 1963, cedendo à vontade dos pais, parte para o Brasil, abandonando o teatro de revista, regressando com eles ao Brasil. No entanto, como o sangue que lhe corria nas veias era o da vida artística, voltaria meses mais tarde, para actuar temporariamente no Casino Estoril, para depois seguir imediatamente para Espanha. Em Janeiro de 1965, encontrava-se em Moçambique, actuando na boîte "A Cave", altura em que regressou a Portugal para gravar um disco, antes de seguir para a Venezuela, tendo percorrido ainda toda a então África Portuguesa e a então União Sul Africana em pouco mais de dois anos. Durante parte do ano de 1966, já regressada a Portugal, actuou no Teatro Maria Vitória, marcando o início da sua afirmação como vedeta do teatro de Lisboa.
Pese embora Maria Helena viesse a ser mais reconhecida em Portugal pela sua interpretação em teatro de revistas, cremos que o seu momento alto aconteceu quando, participou, representando Portugal, em Aranda do Douro, no Festival Hispano-Portugues da canção do Douro, de 1960. Aliás, foi mesmo ela que criou a canção "Meu rio Douro" (Canção tema do Festival desde a sua 1.ª edição), tendo ficado em primeiro lugar, facto que nunca acontecera antes com qualquer representante português.
E sobre a vida de Maria Helena, pouco mais sabemos. No entanto, quando por mero acaso desfolhávamos uma revista Plateia de finais de 1968, reparámos na triste notícia então relatada acerca do seu prematuro falecimento num Hospital de Madrid, após 7 meses de internamento numa dura batalha contra um cancro. A referida notícia, cujo recorte acima aqui deixamos, vinha acompanhada da respectiva foto de Maria Helena, não deixando margem para dúvidas: Maria Helena, segundo a revista Plateia, falecera (tal como a malograda Marina Neves) no auge da sua carreira, muito nova, vítima de uma grave enfermidade.
Notícia do falecimento de Maria Helena, em 1968

Contudo, para nosso espanto, e após consultarmos um interessante blogue palcoum.blogpsot.com, lemos uma mensagem na qual o responsável pelo blogue perguntava à comunidade de leitores sobre o que seria feito de Maria Helena, referindo, porém, que a última notícia de que dispunha sobre Maria Helena prendia-se com uma visita a Portugal entre finais dos anos 70 e inícios de 80 em Sintra, na quinta do empresário teatral Sérgio de Azevedo. Ora, como dispúnhamos da informação de que Maria Helena, infelizmente, havia já falecido vítima de cancro, prontamente demos conta do seu falecimento. Todavia, imediatamente a seguir, o responsável pelo mesmo blogue, publicou nova mensagem, colocando uma fotografia de Maria Helena em Portugal alusiva à sua última estadia em Portugal, em Sintra, desfazendo o grande equívoco da revista Plateia que noticiara uma década antes a sua morte.
Maria Helena em Portugal, nos anos 70 (cortesia palcoumblogspot.com)

Da nossa parte, e após análise da fotografia "postada" naquele blogue, não temos dúvidas em afirmar que se trata efectivamente da mesma Maria Helena e que, felizmente, a mesma não falecera uma década antes, vítima de cancro. Aliás, gostaríamos de esclarecer os nossos leitores que a nossa tarefa de recolha de informação sobre estes artistas privilegia a mais rigorosa informação possível, sendo certo que, devido à nossa idade, a única informação de que nos munimos é a da imprensa da época, ou então dos próprios artistas quando com eles mantemos alguma espécie de contacto. Sendo assim, jamais nos poderemos responsabilizar pela informação que retiramos das revistas que lemos se tal informação estiver completamente errada. De facto, já por diversas vezes Eunice Muñoz foi dada como morta pela nossa imprensa e bem recentemente Camilo de Oliveira (ou até o famoso Bon Jovi !) , sendo que todos eles se encontram bem e com saúde. Lamentamos profundamente que a imprensa não seja muito rigorosa e não se acautele devidamente na hora de lançar tão tristes e sérias notícias.
Cumpre-nos hoje tentar desvendar e esclarecer esse insólito equívoco sobre a vida de Maria Helena. No entanto, gostaríamos também de saber sobre o paradeiro actual de Maria Helena e sobre o seu percurso desde os anos 70 até à presente data, do qual quase nenhuma informação conhecemos.
Retribuindo, dedicamos também esta mensagem ao responsável pela manutenção do blogue "palcoum" (e de outros tantos mais) e que muito tem feito para preservar a memória dos nossos maiores artistas, nomeadamente na área do teatro e do espectáculo em geral.
Deixamos para os nossos leitores, dois temas cantados por Maria Helena, acompanhada pela orquestra de Ferrer Trindade, com destaque para "Com sete letras se escreve saudade" numa interpretação sentida, na qual Maria Helena encarna com perfeição esse sentimento único português, que se chama saudade.


Clique no Play para ouvir um excerto das canções
Maria Helena 
Alvorada AEP60467 
A1 - Fantasma do amor (Ferrer Trindade / José Correia) 
A2 - Com sete letras se escreve saudade (Ferrer Trindade / Anibal da Nazaré) 
B1 - Ninguém é de ninguém (Umberto Silva-Toso Gomes / Luis Mergulhão)
B2 - Custou dizer adeus (Costa Pinto / José Correia) 

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Fernando Lito - Tiqui-Toc


Dedicamos o espaço de hoje a Fernando Lito Inácio de Sousa Magalhães, filho de uma cigana e de um mulato português, mais conhecido no mundo artístico pelo nome abreviado de Fernando Lito, cançonetista que surgiu no panorama artístico nacional em 1966. Antes, com 16 anos apenas e tal como muitos outros jovens aspirantes a artistas desse tempo, tentou frequentar o famoso Centro de Preparação de Artistas de Rádio (de onde saíram grandes cançonetistas portugueses dos anos 60, como Simone de Oliveira, Tonicha, António Calvário ou Madalena Iglésias, entre muitos outros). No entanto, era desejo dos professores do C.P.A.R. que o jovem Fernando Lito cantasse Jazz e canções anglo-americanas, as quais não o seduziam particularmente, facto que o levou a desistir da ideia de ingressar nos quadros da Emissora Nacional.
Como não se recusasse a desistir do seu sonho, Fernando Lito concorreu ainda no popular concurso "Do Céu caiu uma Estrela", promovido pela Agência Portuguesa de Revistas. Contudo, as suas aspirações esbarraram na obrigatoriedade de cumprimento do serviço militar, facto que o impediu de ir à final, para a qual, aliás, fora apurado. Não obstante tal contrariedade, ainda fez vários espectáculos na província e em Lisboa antes de partir para o Ultramar, nomeadamente no Coliseu dos Recreios, tendo tido também a sua estreia na RTP no programa "Parada Musical" realizado por Fernando Frazão e com locução de Carlos Cruz.
Na Guiné, onde cumpriu serviço militar, cantou principalmente para os membros das Forças Armadas Portuguesas que alí se encontravam em missão. Num desses espectáculos, em Jabadá, Fernando Lito cantou num palco improvisado ao ar livre em que os assistentes eram militares de metralhadoras na mão, prevenidos contra qualquer ataque da resistência rebelde.
Fernando Lito na Guiné Portuguesa
circa 1967
Uma vez cumprido o serviço militar e de regresso a Lisboa, foi contratado para espectáculos de televisão na América do Norte bem como para diversos espectáculos em Espanha e Norte de África. Concorreu a vários festivais, incluindo o famoso de Aranda do Douro, onde obteve o segundo lugar e em 1978 foi-lhe atribuído o prémio de interpretação no Festival da Canção Tâmega, do qual resultaria a edição de um disco.
A actividade de Fernando Lito não se centrou apenas na música, tendo sido também actor de revista. Segundo apurámos, teve uma grande actividade artística até 1978, altura em que tinha como projectos montar o seu próprio show, em parceria com José Guimarães e abrir um casa comercial de agenciamento de espectáculos, incluindo obviamente o seu próprio espectáculo.
Ao que sabemos, Fernando Lito voltou a editar, pelo menos, mais um disco posteriormente a esta altura já em 1990, mas sobre o qual poucas informações dispomos.
O disco que apresentamos hoje aos leitores coincide com o primeiro disco de Fernando Lito gravado para a editora nortenha Rapsódia, em regime de exclusividade, cujos arranjos de Rocha Oliveira particularmente apreciamos. Não conseguimos chegar à fala com Fernando Lito, apesar dos contactos telefónicos que conseguimos obter. Resta-nos, como sempre, a ajuda dos nossos leitores em descortinar o paradeiro deste intérprete que hoje recuperamos do baú do esquecimento.


Clique no Play para ouvir um excerto das canções

Fernando Lito
Rapsódia EPF 5.574
Lado A1 - Moira, morena, romã (José Vicente-Fernando Lito)
Lado A2 - Tiqui-Toc (José Lezaun/Fausto Turell-Fernando Lito)
Lado B1 - Deus te guarde (Francisco Ataíde)
Lado B2 - Quero um novo dia (Fernando Lito-Rocha de Oliveira)