sábado, 19 de outubro de 2013

Cânticos Espirituais - Pelo Grupo Português Cantoras do Evangelho

Retomamos hoje o contacto com os nossos leitores com uma abordagem radicalmente diferente, isto se atendermos ao género de registos sonoros com que temos presenteado os nossos ouvintes até à presente data. Apresentamos, nada mais nada menos, do que aquilo que poderemos considerar como uma espécie de espirituais negros cantados por mulheres portuguesas brancas. Se tal, por si só, já não era nada vulgar à época, ainda mais interessante é o facto de tais espirituais serem cantados com letra portuguesa, embora a maior parte deles resulte de versões de espirituais americanos.
Os Cânticos Espirituais que apresentamos foram gravados algures em Moçambique (ou na África do Sul) por um denominado grupo “Cantoras do Evangelho“, distribuídos em formato EP pela etiqueta Sul-Africana Teal, provavelmente por portuguesas radicadas em Moçambique (ou na África do Sul). Através destes espirituais brancos, que fogem categoricamente da linha do blues, encontramos talvez a continuação (ainda que de outra forma) da veia evangelizadora iniciada pelos cristãos portugueses há séculos atrás, com particular incidência em África.


De salientar que existem naturalmente outras gravações de índole religiosa em Portugal, mas que na sua grande maioria pertenciam a intérpretes (Irmãs) que se faziam acompanhar ora rítmica ou coralmente, ou seja, à guitarra acústica (um pouco à imagem das irmãs americanas) ou então pelos coros de igreja ou de mosteiros. Cremos, portanto, tratar-se de um registo invulgar. 
No que às intérpretes diz respeito, estamos na presença de duas solistas, Angelina Oliveira e Júlia do Cerro, esta última que aparentava ter alguma popularidade, de acordo com a informação vertida na contracapa do disco. O acompanhamento é rico, através do piano de Joan Potgieter, o orgão de Kitty Wilson e o violino e bandolim de J. do Cerro Guerreiro, provavelmente Joaquim do Cerro, um pastor-missionário evangélico que foi em missão para Moçambique em 1947. A invulgaridade deste disco parece sair ainda mais reforçada se atendermos ao facto de Joaquim do Cerro ser um católico protestante, facto que nos poderá conduzir à conjectura de estarmos perante espirituais de base protestante. Ficará certamente a dúvida, até que alguém nos esclareça, bem como a dúvida de qual o grau de parentesco ou afinadade da solista Júlia do Cerro com Joaquim do Cerro.

Contracapa do disco, com imagens das solistas
Como é evidente, este grupo português “Cantoras do Evangelho” não teria nenhuma vertente comercial, nem as suas componentes qualquer pretensão de estrelato, bem pelo contrário. A reserva e o anonimato destas evangelizadoras por certo fez com que com o decorrer dos anos se tornasse impossível recolher qualquer informação sobre estas intérpretes restando apenas os cânticos e a mensagem de fé neles incorporada para a posterioridade.



Clique no Play para ouvir um excerto das canções

sábado, 12 de outubro de 2013

Abel de Melo - De viva voz

O disco que escolhemos para hoje tem como figura central um ilustre desconhecido, de nome Abel de Melo, cantor que lançou para o mercado algumas canções no período imediatamente ao 25 de Abril de 1974 e que desde então imergiu no anonimato. À primeira vista poderia tratar-se de mais um (de entre muitos) cantores e baladeiros de mensagem política e panfletária do chamado “período revolucionário em curso”. No entanto, neste disco, o interprete afasta-se substancialmente do rótulo de baladeiro panfletário, socorrendo-se de uma sonoridade de cariz funk-rock, inserida já num conceito amplo de canto de intervenção. Ou seja, as canções deste single afastam-se de forma radical da linha musical da maioria dos cantores de protesto, alicerçando-se antes numa poética mais rica, em contraposição com a poesia fácil e até pobre de muitos outros, na qual quase sempre pão rimava com a palavra produção ou revolução.
Assim, é a música propriamente dita que assume um papel muito importante neste disco, sendo a sua força bem notória, bem mais do que as palavras, embora não olvidemos que estas também sejam entoadas com uma forte mensagem a elas associada, numa corrente apologística da mudança de regime e de esperança, dirigidas a um destinatário colectivo, o povo.


Curiosamente, de Abel de Melo, conhecemos ainda um registo musical marcadamente mais intimista, em que são apenas as palavras e a nua guitarra que compõem o disco, o que não deixa de ser enigmática a razão de tal viragem... No entanto, já antes Bob Dylan se transmutara radicalmente e a qualidade da sua música manteve-se intocável. E o mesmo se dirá de Abel de Melo, que tanto num como no outro disco referido, interpreta excelentes canções. No que a este disco diz respeito, salienta-se desde logo que é um interessante registo, facilmente enquadrável numa onda “groove”, pouco comum no contexto da época, um género musical claramente sem (tanta) conotação com o cariz político partidário, talvez pretendendo assim demarcar-se da corrente principal dominante na música interventiva do pré-25 de Abril. É, portanto, sem dúvida alguma, um disco de pop-rock, disfarçado de música de intervenção, embora a inversa também seja verdadeira. Por outro lado, salienta-se a interessante associação com Mike Sergeant, um dos melhores arranjadores “portugueses”, que assumiu os arranjos e direcção do conjunto que acompanhou Abel de Melo. Mais uma vez, não há qualquer informação no que diz respeito à ficha técnica do disco, para além da mencionada, o que é pena, pois de facto o disco resultou num excelente trabalho, com arranjos extremamente conseguidos que dão uma frescura às respectivas temáticas, em contraposição com o estilo mais sofrido de outros intérpretes da época. Sabemos, contudo, que um anterior single de Abel de Melo, gravado em finais de 1974, com os temas “Alerta Camarada” e “Criança Loira”, também com arranjos de Mike Sargeant, teve como acompanhantes o próprio Mike Sergeant, Filipe Zav, Daniel Louis e José Machado, pelo que poderemos muito bem admitir como possível, dada o curto lapso temporal existente entre um single e outro e a mesma editora, que o trabalho que hoje apresentamos tenha como músicos os mesmos acima referidos.
Já no que diz respeito a Abel de Melo, dele não obtivemos, até ao momento, qualquer informação, embora suspeitemos que se terá transformado num fadista, em conformidade com a gravação que encontramos no youtube, mas sobre a qual não existem grandes comentários que nos permitissem saber algo mais sobre este misterioso cantor.


Clique no Play para ouvir um excerto deste single

Abel de Melo 
Ad Libitum SIN 231
Lado A - De viva voz (Abel de Melo/ José Viana) 
Lado B - Balada para um poeta (Abel de Melo/ Manuel José Caldeira)