domingo, 7 de maio de 2017

"Liberdade é fruto - Discos Perdidos e outras Canções de Abril"

Enquanto outros projectos mais ambiciosos ( e bem diferentes ) não são terminados, divulgamos do autor deste blogue " Liberdade é Fruto - Discos Perdidos e Outras Canções de Abril", livro de 228 páginas, que privilegia a inclusão de biografias selecionadas de intérpretes/compositores pouco conhecidos do grande público, em detrimento de outros mais conhecidos. O autor pretendeu ainda incluir discos e/ou canções gravadas em registos musicais diversificados do género balada, como discos de fado, cantares ao desafio, música ligeira e até música folclórica. Neste livro também se destaca o papel que as interpretes femininas também tiveram no contexto da canção política portuguesa ( desde logo com Luísa Basto, mas também com outros nomes menos conhecidos como Ana Teodósio ou Teresa Paula Brito, entre outras)


Com prefácio de João Carlos Callixto e profundamente ilustrado, com cerca de 260 imagens, entre capas de discos, recortes de imprensa e outras fotos, “ Liberdade é fruto” é também o primeiro fruto de um intenso trabalho de recolha de registos fonográficos portugueses, com especial incidência nos fonogramas gravados entre a década de 50 e década de 80 do século XX e, mais recentemente, nas gravações portuguesas ocorridas entre o ano de 1900 e 1920. Não será certamente um livro perfeito mas um modesto contributo para melhor compreensão dos fenómenos mais abrangentes da canção política em Portugal e das suas diversas formas de manifestação através da canção.

O livro poderá ser obtido também através deste blogue, através de envio de mensagem para o email que se encontra associado ao blogue, no canto superior direito da página.

Quanto ao blogue, não morreu e voltará a mexer em breve.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Maria de Fátima Bravo - Revelação

Revelada através do Centro de Preparação de Artistas da Emissora Nacional, Maria de Fátima Bravo foi uma das primeiras vedetas da canção portuguesa e uma das suas melhores vozes. O seu nome ficará para sempre associado à canção “Vocês Sabem Lá”, um dos maiores clássicos da canção portuguesa, escrita pela dupla Nóbrega e Sousa e Jerónimo Bragança. Por tal razão, o seu nome, aparentemente, não teria lugar cativo no Bairro do Vinil, pois, conforme já escrevemos antes, o espírito deste espaço é direccionado para artistas menos conhecidos ou então para fases obscuras de artistas mais conhecidos. No entanto, o interesse da canção que hoje damos a conhecer aos nossos ouvintes justifica por completo este texto. Falamos de uma canção inédita, com o nome de “Revelação”. 
Segundo apuramos junto da própria artista, a canção “Revelação” terá sido uma de entre as duas primeiras canções escritas (propositadamente) para a voz de Maria de Fátima Bravo, quando esta ainda se encontrava no Centro de Preparação de Artistas (CPR) por volta de 1957.  Esta canção, tal como a outra (“Algarve de sonho”, que mais tarde seria gravada por António Calvário) foi escrita pelo maestro Joaquim Luís Gomes, com letra de Hernâni Correia e reporta-se, portanto, a uma altura mais recuada de “Vocês sabem lá”, canção com a qual venceria o I Festival RTP da Canção, em 1958.

Maria de Fátima Bravo, por volta de 1958
Sobre a origem do acetato que partilhamos hoje com os nossos leitores, não podemos adiantar qualquer explicação rigorosa que nos permita ter a certeza absoluta sobre quais as circunstâncias que rodearam a sua gravação, tanto mais que o referido acetato é da RTF (Radiodiffusion-Télévision Française).
No entanto, uma de duas hipóteses consideramos como possíveis: A primeira e a mais plausível, prende-se com o facto de, ainda antes de terem gravações comerciais, os alunos mais promissores do CPR actuavam em directo na Emissora (daí resultando a gravação da actuação), ou então gravavam prévios acetatos que mais tarde seriam apresentados nos programas da Emissora na impossibilidade de cantarem em directo. Ora, segundo referiu Maria de Fátima Bravo, terá sido bem provável que após o sucesso de “Vocês sabem lá”, uma dessas suas primeiras gravações tenha sido copiada de um acetato da Emissora Nacional para um acetato da Emissora Francesa, aquando da vinda a Portugal de representantes franceses a um grande espectáculo que ocorreu no Cinema Império onde técnicos e representantes das duas emissoras se encontraram em finais dos anos 50.
Maria de Fátima Bravo em 1961, pouco tempo antes de se retirar da vida artística.
Outra possibilidade que também consideramos plausível é tratar-se (pese embora o estranho label da RTF) de um acetato original da Emissora Nacional mas gravado a partir de um acetato estrangeiro, proveniente de um lote de acetatos comprados ou dispensados de outras estações de rádio, o que não seria facto inédito em Portugal, face aos poucos recursos e meios técnicos existentes à data da gravação.
Seja como for, certo é que a canção em causa, não foi gravada em Paris e remonta a uma data anterior às gravações comerciais de Maria de Fátima Bravo, quando esta ainda não era conhecida pelo grande público. Por esse motivo, consideramos tratar-se esta gravação de uma verdadeira raridade.
Uma nota final para o som da gravação que não se encontra nas melhores condições, devido à ausência de meios técnicos para o efeito e também devido ao estado do acetato, que se encontra algo danificado. Ainda assim foi o melhor que conseguimos fazer.




Clique no play para ouvir um excerto da canção

sexta-feira, 25 de abril de 2014

António Rossano - Um artista ecléctico

No dia em que se comemora a Liberdade em Portugal, optámos, ao contrário do que fizemos nos anos anteriores, por publicar um texto de cariz não político e referente a um dos maiores nomes do music-hall português, ainda que o sucesso do artista em questão se tenha verificado de forma mais preponderante no estrangeiro, nomeadamente em França.
Falamos de António Rossano (de verdadeiro nome António Baião), cantor que frequentou a escola de canto do Maestro Cruz e Sousa, onde aperfeiçoou a sua voz de tenor. Após uma curta participação nos Companheiros da Alegria, em finais dos anos 50, seguiu para Espanha onde obteve sucesso actuando em cabarets, na rádio e, inclusive, na Televisão espanhola. 
Face ao relativo sucesso alcançado em Espanha, tudo indicaria que em Portugal António Rossano viria a confirmar o seu estatuto de vedeta emergente no panorama artístico português. No entanto, Portugal continuava a fechar-lhe as portas, devido à falta de contratos e a algum desinteresse no estilo da sua interpretação, tendo actuado apenas em alguns serões para trabalhadores e pouco mais. Para além disso, António Rossano, após prestar as devidas provas, veria a recém criada Rádio Televisão Portuguesa recusar-lhe a sua admissão nas emissões televisivas por “não possuir as qualidades necessárias para actuar naquela emissora”.
Porém, a sorte mudaria quando um casal francês (cliente de um Hotel no Luso onde António Rossano se encontrava a actuar) o ouviu cantar, tendo gostado e imediatamente o encaminhado para Paris, onde passados apenas 15 dias já se encontrava a actuar na televisão francesa, tendo pouco tempo depois assinado pela famosa etiqueta discográfica Barclay, para a qual gravou inúmeros discos nas mais diversas línguas e nos mais diversos estilos. De facto, em pouco tempo, António Rossano de artista rejeitado em Portugal passou a ser um artista relativamente conhecido em França, onde para além das canções, fez desde 1958 em diante teatro, operetas, contracenando ao lado das mais importantes figuras da canção e do mundo do espectáculo.
António Rossano, nos anos 50.
 Temos a plena noção que meia dúzia de linhas são insuficientes para resumir a carreira de um cantor outrora tão conhecido e que com o passar dos anos, caiu por completo no esquecimento dos portugueses em geral e das pessoas ligadas ao espectáculo em particular. É que António Rossano, foi, sem qualquer sombra de dúvida, uma figura de cartaz, fazendo frente em termos de popularidade com nomes bem consagrados do nosso panorama musical. Contudo, parece-nos que o destino de António Rossano em Portugal, sempre esteve traçado e que o reconhecimento público em terras lusas nunca lhe esteve destinado. É pena... Para além da sua extraordinária voz, há em António Rossano uma teatralidade latejante em todas as suas interpretações, difícil de encontrar nos tempos de hoje e que poucos outrora conseguiram alcançar. Por outro lado, não podemos deixar de sublinhar o seu lado ecléctico, bem evidenciado nas canções que escolhemos para mostrar aos nossos leitores. Na verdade, António Rossano, cantou nas mais diversas línguas, italiano, espanhol e em francês, língua esta em cujas canções imprimia o carisma bem próprio dos melhores intérpretes da chanson francaise.

Porém, ainda assim, não podemos olvidar que António Rossano teve também a oportunidade de gravar alguns discos em Portugal, por altura de uma das suas estadias em terras lusas. E é precisamente uma amostra do seu primeiro disco gravado em Portugal que temos para mostrar aos nossos leitores, na qual António Rossano evidencia as suas capacidades interpretativas, num disco de quase puro yé-yé, com tendências líricas, por vezes um pouco desproporcionadas ao estilo que interpretou nesse disco, convenhamos referir. No entanto, cremos que tal em nada belisca a riqueza destas gravações, nem mesmo o facto de as mesmas mais não serem versões de temas estrangeiros, adaptadas por António José e Romeira Alves. Tal facto deve-se, cremos, talvez à urgência de encontrar reportório para António Rossano, aquando da sua estadia em Portugal no início dos anos 60 para que o mesmo pudesse efectuar algumas gravações comerciais em Portugal. Pouco tempo depois, António Rossano viria a gravar novo disco, desta vez já com temas compostos e escritos por autores portugueses e acompanhado pela orquestra de Jorge Costa Pinto (ao contrário do primeiro disco em Portugal, onde foi acompanhado por uma orquestra dirigida pelo maestro francês André Livernaux).
Sobre o paradeiro de António Rossano, pouco sabemos, nem se o mesmo ainda se encontra entre nós, o que esperamos, pois muita história terá para contar. Dele apenas sabemos que, ainda nos anos 60, terá ido para Bélgica, onde se radicou, sendo proprietário de um restaurante onde cantava. Resta-nos, como sempre, esperar que algum leitor mais atento, nos ajude a encontrar mais informações sobre este cantor. Para já, fica um mix de dois dos seus discos: o primeiro gravado em Portugal para a RCA e o excerto de um outro disco gravado para a etiqueta que o popularizou, a Barclay.



Clique no Play para um excerto de algumas gravações de António Rossano

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Viçoso Caetano - Balada dos Boinas Verdes

Regressamos para apresentar um cantor que seguramente muito poucos conhecerão. Aliás, nem sequer sabemos se o mesmo terá sido um verdadeiro cantor de carreira firmada, ou se, bem pelo contrário, a sua incursão pela música não terá sido um acto meramente esporádico, como temos por quase certo. Viçoso Caetano é o seu nome, aliás, um nome verdadeiramente desconhecido e dificilmente memorizável.
No entanto, não duvidamos que a sua voz já terá sido certamente ouvida por muitos militares portugueses pois a ela se deve a única versão portuguesa da célebre canção “Balada dos Boinas Verdes” (Ballad of the Green Berets, o hino das forças especiais norte-americanas Green Berets, originalmente cantada pelo sargento americano Barry Sadler e da autoria de Robin Moore) e que viria a ser traduzida, adaptada e cantada por Viçoso Caetano para português, tendo sido mais tarde adoptada como o hino (oficioso) dos paraquedistas portugueses.
Se por um lado é verdade que muitos até conhecerão o Hino dos Paraquedistas portugueses, não deixará de ser menos verdade que serão seguramente muito poucos os que saberão a quem pertence a voz que o canta. Tal informação não é, aliás, muito divulgada, razão pela qual se impõe em tempo útil a sua divulgação para completo esclarecimento dos potenciais interessados.





Diga-se ainda que sobre Viçoso Caetano, não logramos recolher muita informação, para alguém de algumas referências na internet que a ele se referem como um ex-alferes miliciano, com serviço militar cumprido em Lourenço Marques, sendo conhecido como o poeta de Fornos de Algodres, terra onde ainda hoje viverá.
Quanto à sua carreira, não temos grandes dúvidas em afirmar que a sua aventura pela música terá sido meramente passageira, quiçá inspirada nos tempos de camaradagem do serviço militar, sendo muito provavelmente o disco em causa reflexo desses tempos, não sendo surpresa para nós admitir que possa ter sido gravado ainda durante o cumprimento do serviço militar.
Não deixa de ser também muito curioso o facto de o lado A do disco conter precisamente dois temas em crioulo “Hê Filore” e “A iala Wanuna”, que nos conduzem para o folclore africano e para um canto em crioulo que calculamos ser de Moçambique, embora não o possamos afirmar com toda a certeza por não sermos conhecedores do dialecto em causa.
Pouco mais haverá a acrescentar relativamente a este disco, com orquestrações e coros dirigidos pelo maestro Joaquim Luís Gomes e com a voz bem timbrada de Viçoso Caetano, que retiramos hoje do esquecimento.



Clique no Play para ouvir os temas: "A iala Wanuna" e "Balada dos Boinas Verdes"

Viçoso Caetano - Balada dos Boinas Verdes
Parlophone LMEP 1275 
A) Hê Filore/ A iala Wanuna
B) Balada dos boinas verdes/ Oh minha terra

sábado, 29 de março de 2014

Fernanda da Luz - Igualdade

Hoje apresentamos um dos discos mais desconcertantes que já ouvimos em toda a nossa vida. É que, para além do interesse e da ambiguidade que as letras das canções só por si encerram no próprio contexto do disco, há também a destacar o facto de a intrigante e bela fadista em causa ter desaparecido sem deixar qualquer rasto no universo fadista (à semelhança de outras fadistas da época), sendo o seu paradeiro um verdadeiro mistério.
No que àquele que pensamos ser o seu único disco diz respeito, arriscamo-nos a deixar aqui uma opinião que muitos considerarão um grande disparate. Mas, por mais voltas que demos, não o conseguimos deixar de classificar (pelo menos tematicamente) como um disco de fado conceptual, o que desde logo, admita-se, já por si só é um estranho conceito atendendo ao género musical a que nos referimos.
As letras escritas por Fernanda Oliveira (e outra por Francisco Radamento), de forma consciente ou não, têm como temática um conceito muito preciso: o estranho lamento de uma esposa que ama o seu marido apesar deste ser o oposto da dedicação que a sua esposa lhe devota. E acreditem, leitores, que não foi fácil chegar a esta definição....

É que na realidade o disco, conforme se disse, é todo ele um estranho contracenso e um oposto de sentimentos que paradoxalmente vão desaguar num consenso: o amor de uma mulher ao seu marido. Na verdade, este E.P. da Alvorada é dominado por três canções, com letra de estilo narrativo, cantadas na primeira pessoa por uma esposa que aparentemente se encontra revoltada com a sua condição de mulher desprezada por um marido que tem por hábito chegar de madrugada a casa (provavelmente vindo da taberna). A expressão máxima dessa revolta corporiza-se na letra que dá corpo ao fado “Igualdade”, segundo o qual aquela pobre mulher, numa tentativa de emancipação acaba por dar o troco ao marido, fazendo o mesmo, ou seja, saindo de casa (para visitar a mãe) durante a noite ao ponto de o seu marido ter chegado a casa e não a ter encontrado, tendo ficado surpreendido por não ver a sua mulher deitada. Neste fado, o resultado final da acção da esposa acabou por dar os seus frutos, na medida em que o seu marido, desde esse dia, alterou mesmo o seu comportamento ao ponto de “assim que a lua aparecia” já se encontrar metido na cama.
Não podemos deixar de ficar indiferentes ao conteúdo da letra “Igualdade” que, diga-se, se tivesse sido gravada isoladamente, ou seja, num disco de uma face só, muita polémica teria provocado (caso a censura da época a deixasse escapar, claro). Porém, como tal canção se encontra inserida num disco em que Fernanda da Luz canta também os temas “Amor à pancada“ e “Meu esposo”, aquela letra acaba por perder qualquer força, transformando o que aparentemente parecia ser um disco de crítica social e um disco (de intervenção) feminista numa autêntica paródia machista. Para tal basta o leitor centrar-se em algumas ideias-base da canção “Amor à pancada”, título que nos tempos que hoje correm, bem poderia travestir-se numa forma também conceptual apelidada de violência doméstica. Para tal basta referir que se defende que o amor sem pancada nunca chega a ser amor enquanto ideal central deste fado, aliada a uma segunda ideia-base: a extrema dedicação desta (afinal) submissa esposa que não se importa de levar porrada!
Parece-nos, contudo, que o extremo da contradição surge com o último fado, “Meu Esposo”, no qual, mais uma vez a mesma esposa (novamente na primeira pessoa) parece afinal negar toda a letra do tema “Igualdade”, ao assumir a manifesta desigualdade entre a si e o seu marido no que à questão da igualdade dizia respeito. Ou seja, se no tema “Igualdade”, se revolta contra uma situação desigual, nesta última canção não só se conforma com essa mesma desigualdade, como também a confirma respondendo ao seu marido com uma dúzia de beijos.
Naturalmente, estamos perante um disco interessante mas de análise difícil e que, sinceramente, muito nos tem intrigado. Sendo certo que Fernanda da Luz foi apenas a mulher que deu a voz às letras que lhe foram dadas para ela cantar, sendo de todo impossível, face aos poucos elementos que possuímos sobre a gravação deste disco, chegar a uma conclusão que não seja mera especulação sobre as intenções que verdadeiramente estiveram por detrás da gravação destas três canções.

Fernanda da Luz, por altura da gravação do disco

Sobre Fernanda da Luz, é muito pouco o que podemos partilhar com os nossos leitores, sendo certo que deles esperamos a preciosa ajuda para desvendarmos um pouco mais desta fadista, a cuja graciosidade ficámos desde sempre rendidos. Ainda assim, adiantamos que se estreou como profissional em 1958 no café Luso em Lisboa, tendo ganho, inclusive, um concurso e sido coroada como “rainha” num concurso de “cantadeiras” (como na época se chamavam). Trabalhou depois em vários retiros, incluindo a casa de fados da famosa Márcia Condessa. Depois foi para o Porto, cantando em quase todas as casas de fado portuenses (A candeia, O tamariz e o Palladium). Em Maio de 1965, depois do seu reaparecimento, aceitou um convite para cantar em Angola durante vários meses, local onde ainda se encontrava em Junho desse ano, juntamente com fadistas que ai se encontravam a cantar, tais como Henriqueta de Almeida, Maria Emília, Mimi de Sousa, Maly Socorro, Maria Silvestre (outra desaparecida ...) e Lourdes Oliveira. Depois dessa data, não mais ouvimos falar de Fernanda da Luz. Terá casado em Angola ? Terá abandonado a vida artística ? Os leitores atentos o dirão.


Clique no Play para ouvir  (excepcionalmente na íntegra, pelo seu interesse) os fados "Igualdade", "Amor à pancada" e "Meu esposo"

Fernanda da Luz 
Alvorada MEP 60313
A) Chiquinho Faia (José Marques/ Fernanda de Oliveira) / Igualdade (João da Mata/ Fernanda de Oliveira)
B) Amor à pancada (Alfredo Marceneiro/ Francisco Radamanto) / Meu esposo (Casimiro Ramos/ Fernanda de Oliveira) 
Acompanhamento: Marcírio Ferreira, António Proença e José Maria Carvalho


sábado, 8 de fevereiro de 2014

Beatriz de Sousa Santos - Uma vedeta totalmente ignorada

Uma das figuras mais distintas da música portuguesa de todos os tempos é também simultaneamente uma das mais esquecidas pela nossa imprensa (mesmo a especializada). Cabe-nos a nós contribuir para que a memória de alguns sobreviventes dessa época não se esmoreça, bem como contribuir para que outros fiquem a conhecer (ainda que com algumas décadas de distância) essa grande pianista que foi Beatriz de Sousa Santos.
Beatriz de Sousa Santos era uma artista peculiar e foi esse aspecto que sempre a caracterizou. De facto, não podemos olvidar que na época de 40 e 50 foi uma das poucas mulheres que se destacou como instrumentista num universo predominantemente masculino. Contudo, a singularidade de Beatriz de Sousa Santos vai muito para além disso, pois outras mulheres solistas instrumentistas co-existiram na mesma altura. O que mais se destaca é simplesmente a linha artística que a mesma seguiu, pois embora tivesse adoptado como instrumento de eleição o piano, afastou-se da linha clássica da altura, aderindo aos ritmos modernos sobre teclas e à improvisação sobre temas estrangeiros aprendidos de ouvido em noites às claras junto ao seu rádio receptor.

Em inícios de 1944, o director musical da NBC, enviou-lhe um telegrama com uma proposta milionária para actuar nas emissões normais daquela estação. O telegrama tinha os seguintes dizeres: “Oferecemos contrato de executante de piano, música moderna, com ordenado anual de dez mil dólares para actuar nas emissões normais da N.B.C. Queira responder”. 
Contudo, contrariamente ao que fora noticiado na época com grande destaque na imprensa, Beatriz de Sousa Santos, acabou por recusar tal convite, ficando-se por Portugal onde fez toda a sua carreira, fosse como pianista residente do Hotel Mundial (onde terá permanecido cerca de 19 anos), seja na Emissora Nacional, onde colaborou com assiduidade com Mota Pereira, no Centro de Preparação de Artistas de Rádio, desde a sua fundação em 1947. Não deixa de ser curioso que Beatriz de Sousa Santos chegou a confessar ter medo das audiências de milhões de ouvintes nos Estados Unidos ao mesmo tempo que admitia ser um sonho trabalhar com os coros de All Johnson, ou conhecer Bing Crosby ou Vera Lynn, que na altura fariam furor na N.B.C. Terá sido a sua exagerada modéstia que a impediu de se tornar mundialmente famosa, não duvidamos.
Beatriz de Sousa Santos, nos anos 40


Temos plena consciência que as novas gerações provavelmente nunca ouviram falar de Beatriz de Sousa Santos, pois o apogeu da sua carreira ocorreu há mais de 50 anos , durante as décadas de 40 e de 50 do século passado. No entanto, não deixamos de lamentar que tão ilustre e mediática figura não conste em qualquer obra de carácter enciclopédico virada para a música ou para as artes e o espectáculo. Uma verdadeira lacuna. Veremos o que o futuro nos reserva.
Escusado será dizer, como aliás bem se salienta no blogue “Isto é Espectáculo” que Beatriz de Sousa Santos morreria na miséria, totalmente esquecida pelo público e por aqueles que outrora do seu talento se serviram para promover a imagem da cultura e do talento dos portugueses.
Caso algum leitor disponha de mais dados sobre esta figura incontornável gostaríamos que entrasse em contacto connosco. Para já, deixamos para os nossos ouvintes e leitores uma pouco da música de Beatriz de Sousa Santos.



Beatriz de Sousa Santos 
Alvorada MEP 60209
A1) Canção do mar - Estoril - Sempre que Lisboa canta 
A2) Chove lá fora - La paloma - Cielito lindo
B1) Flamingo - Woman in love
B2) La piu bella del mondo - Parole e musica - Chau Chau bambina

Clique no play para ouvir a última canção do lado B.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Alberto Ramos - Falecimento

Foi com enorme pesar que soubemos, pela família de Alberto Ramos, que este faleceu ontem em Cascais aos 83 anos. Infelizmente, por falta de tempo (devido aos nossos afazeres profissionais) não nos foi possível actualizar com mais informação e na devida altura o texto que aqui escrevemos sobre Alberto Ramos, que gentilmente entrou em contacto connosco, após leitura desse texto. 
Infelizmente também, por motivos de saúde daquele, também não conseguimos em devido tempo encontrar-nos pessoalmente com Alberto Ramos, que nos iria contar histórias de uma longa vida dedicada ao espectáculo.
Ainda assim, conseguimos ainda em vida deste presenteá-lo com um CD com cópia de todas as suas gravações dos seus discso que se haviam extraviado, para grande seu grande contentamento. É este lado mais humano do nosso blogue que tanto nos orgulha.
A toda a família, deixamos as nossas sentidas condolências.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Santinho das Neves - Arriba a leva

São poucos os artistas que conhecemos que conseguiram conciliar a actividade artística com qualquer outro tipo de actividade profissional. Em regra, a primeira era preterida em favor da segunda, face à escassez de espectáculos regulares e, sobretudo, porque do ponto de vista financeiro a vida artística era pouco atraente para a esmagadora maioria dos artistas.
Ainda mais raro era a conciliação das lides do espectáculo com o desporto. Não porque existisse um antagonismo necessário entre estas actividades, ou uma suposta incompatibilidade entre a vertente física e a vertente mais artística do ser humano, mas sim porque também neste domínio não existiam grandes oportunidades de prosseguimento de uma carreira desportiva em regime profissional. Ainda assim, de memória, relembramos, por exemplo, entre outros, o caso da cançonetista Manuela Novaes que se sagrou campeã nacional de lançamento do disco e do ex-futebolista Diamantino (não confundir com Diamantino Miranda, glória do Benfica) que também gravou discos, ou ainda de um caso bem mais conhecido a nível mundial: Júlio Iglésias, guarda-redes (suplente) do Real Madrid, que atingiu sucesso à escala planetária.


O caso que recuperamos hoje do esquecimento é também de um atleta do Sporting Clube de Portugal (entre outros clubes) de nome Manuel Santinho das Neves, que foi nada mais, nada menos do que 10 vezes campeão nacional de lançamento do dardo. Para uma parca biografia da sua carreira, socorremo-nos da contracapa do disco, onde se pode ler que Santinho das Neves começou a cantar e a tocar viola ainda em garoto, tendo começado a cantar em público nas suas deslocações ao estrangeiro, em Copenhaga, Malmo, Amsterdão e nas ex-colónias portuguesas. Contudo, o seu compromisso com o atletismo foi retardando a gravação do seu primeiro disco (e único que dele conhecemos), cuja produção, aliás, foi interrompida por diversas vezes devido a competições no estrangeiro.
Não deixa de ser curioso o facto de aí se escrever também que este era o primeiro disco de um português que, em Portugal era conhecido apenas como atleta mas que no estrangeiro era conhecido sobretudo como um artista. È que na verdade, em Portugal, Santinho destacou-se sobretudo no atletismo, principalmente na disciplina do Lançamento do Dardo, quando “na época de 1959, durante o Torneio Primavera, conseguiu um surpreendente lançamento de 64,03m, que era simultaneamente Recorde Nacional e Recorde Ibérico. Posteriormente melhorou várias vezes esse recorde, até o fixar em 71,38m, durante um Portugal-França disputado em Julho de 1966, uma marca que perdurou mais de 18 anos. A sua carreira teve altos e baixos, em grande parte porque se radicou em França, pelo que só vinha a Portugal na altura das competições principais, mostrando-se sempre disponível para ajudar o Sporting e destacando-se pela positiva com os 5 títulos de Campeão de Portugal do Lançamento do Dardo, obtidos entre 1962 e 1972, quatro dos quais em representação do Sporting (1962, 1967, 1971 e 1972) e um enquanto atleta individual (1965).” 

Foto e texto em itálico, da Wikipedia do Sporting, in http://www.forumscp.com/wiki/index.php?title=Santinho_das_Neves
Em termos de vida artística, desconhecemos se Santinho das Neves tenha gravado discos em França, ou se o disco que hoje apresentamos não terá passado de uma mera aventura isolada. No entanto, apesar de não se tratar de um disco surpreendente, não podemos deixar de salientar os interessantes arranjos de Jorge Machado, que dão aos quatro temas que compõem o disco um salutar equilíbrio entre a vertente orquestral e a vertente popular das canções que o compõem,  “Sapatinho” e “Arriba a leva” (de cariz popular)  e os restantes dois temas “De cabeça à roda“ e “Ver o mar”, curiosamente com música do também atleta e respeitado sportinguista Moniz Pereira, também elas num registo a lembrar o canto popular. 

Fica então um excerto destas quatro canções para os nossos leitores.


Santinho das Neves 
RCA Victor TP 596
A1) De cabeça à roda (Moniz Pereira - Fernando Correia)
A2) Sapatinho (Popular - Arranjos - Jorge Machado)
B1) Ver o mar (Moniz Pereira - Emílio Vasco)
B2) Arriba a leva (Popular - Arranjos Jorge Machado)

sábado, 16 de novembro de 2013

Conjunto de Bártolo Valença - Na quinta do Zé Tomás

Abordaremos hoje um artista que outrora teve importante mediatismo em Portugal, tendo realizado inúmeras tornées no estrangeiro, ora acompanhado pelos seus “Rapazes do Ritmo” ou mais tarde com a “Rapsódia Portuguesa”, este último um grupo popular de expressão artística bastante diversificada, conforme explicaremos adiante. Durante várias décadas foi presença assídua em algumas das mais populares casas de fados de Lisboa, embora tivesse sido, ironicamente numa boite que permaneceu mais anos seguidos enquanto músico residente. Falamos, naturalmente, de Bártolo Valença.
É difícil quantificar em qual dos dois grupos acima referidos Bártolo Valença atingiu maior notoriedade. Se no grupo popular “Rapsódia Portuguesa”, fundado mais tarde, no qual conjugou as danças com o folclore, ou se nos “Rapazes do Ritmo”, com o qual editou inúmeras gravações comerciais e no qual se estreou (provavelmente) no início dos anos 50. No entanto, inclina-mo-nos para os Rapazes do Ritmo, designação ligeiramente enganadora para os menos informados e que poderá induzir em erro, na medida em que os Rapazes do Ritmo não eram nenhum “conjunto de ritmo” ao jeito de Shegundo Galarza ou de Mário Simões, mas antes um grupo que apresentava uma música toponímica e popular-humorística, com recurso a instrumentos de cariz tradicional.

No que à sua longa carreira diz respeito, em poucas linhas, poderemos dizer que (ao contrário do que se possa pensar) a mesma não teve o seu início na música e que tampouco foi Bártolo Valença o fundador dos Rapazes do Ritmo. Efectivamente, a sua tendência artística sempre foi para o bailado, mas foi quando surgiu o convite para substituir o vocalista original desse conjunto (cuja identidade desconhecemos) que surgiu a sua grande oportunidade para singrar na vida artística, tendo assumido as funções de coordenador do conjunto e de executante. Depois de uma estreia num programa rádio publicitário, os Rapazes do Ritmo alcançaram grande êxito durante mais de 7 anos consecutivos, tendo o auge de popularidade sido atingido na década de 50 e apenas refreado quando Bártolo Valença, paralelamente com os Rapazes do Ritmo, decide fundar a Rapsódia Portuguesa.
Sobre aquele aspecto, conforme realçava o próprio artista, nunca houve realmente uma transformação dos Rapazes do Ritmo em Rapsódia Portuguesa, na medida em que ambos coexistiam, passando aqueles a fazer parte deste conjunto, numa tentativa (conseguida) de divulgação do folclore português. “A Rapsódia Portuguesa” era composta por 16 elementos, uma verdadeira aguarela de danças e cantares da nossa terra, exigindo de todos um grande esforço físico e artístico despendido por actuação, combinado tradições do Ribatejo, fado bailado, bailinhos da Madeira, cantares da Nazaré e de Trás-os-Montes, entre outras evocações.
Foto da Rapsódia Portuguesa, com Bártolo Valença em primeiro plano.
A longevidade de Bártolo Valença fazia, à data do seu eclipse, inveja a muitos outros artistas. De facto, manteve-se em cartaz, sem interrupção, desde 1956 pelo menos até 1971 (cerca de 9 anos no Restaurante Faia e 7 anos no famoso Maxime), apresentando, conforme se referiu, música vincadamente portuguesa ou de características folclóricas, cantando, dançando, representando, fazendo humor e apresentando o seu espectáculo em vários idiomas. Bártolo considerava-se um verdadeiro animador (mais comummente, um show-man, ou M.C. - Mestre de cerimónias), o que efectivamente era, um verdadeiro homem-espectáculo, que percorria o folclore do norte minhoto ao Algarve litoral, durante cerca de 3 horas por noite nos seus espectáculos no Maxime.
A canção que escolhemos para hoje faz um resumo do ambiente do conjunto bem disposto, que eram os Rapazes do Ritmo e do espírito das suas canções: alegres, divertidas e populares. Não falta nesta recriação o zurrar do burro, a ovelha, a galinha, e muitos outros animais da quinta do Zé Tomás tão bem recriada neste curtos 3 minutos que hoje deixamos aos nossos leitores.  



Clique no Play para ouvir um excerto da canção

sábado, 19 de outubro de 2013

Cânticos Espirituais - Pelo Grupo Português Cantoras do Evangelho

Retomamos hoje o contacto com os nossos leitores com uma abordagem radicalmente diferente, isto se atendermos ao género de registos sonoros com que temos presenteado os nossos ouvintes até à presente data. Apresentamos, nada mais nada menos, do que aquilo que poderemos considerar como uma espécie de espirituais negros cantados por mulheres portuguesas brancas. Se tal, por si só, já não era nada vulgar à época, ainda mais interessante é o facto de tais espirituais serem cantados com letra portuguesa, embora a maior parte deles resulte de versões de espirituais americanos.
Os Cânticos Espirituais que apresentamos foram gravados algures em Moçambique (ou na África do Sul) por um denominado grupo “Cantoras do Evangelho“, distribuídos em formato EP pela etiqueta Sul-Africana Teal, provavelmente por portuguesas radicadas em Moçambique (ou na África do Sul). Através destes espirituais brancos, que fogem categoricamente da linha do blues, encontramos talvez a continuação (ainda que de outra forma) da veia evangelizadora iniciada pelos cristãos portugueses há séculos atrás, com particular incidência em África.


De salientar que existem naturalmente outras gravações de índole religiosa em Portugal, mas que na sua grande maioria pertenciam a intérpretes (Irmãs) que se faziam acompanhar ora rítmica ou coralmente, ou seja, à guitarra acústica (um pouco à imagem das irmãs americanas) ou então pelos coros de igreja ou de mosteiros. Cremos, portanto, tratar-se de um registo invulgar. 
No que às intérpretes diz respeito, estamos na presença de duas solistas, Angelina Oliveira e Júlia do Cerro, esta última que aparentava ter alguma popularidade, de acordo com a informação vertida na contracapa do disco. O acompanhamento é rico, através do piano de Joan Potgieter, o orgão de Kitty Wilson e o violino e bandolim de J. do Cerro Guerreiro, provavelmente Joaquim do Cerro, um pastor-missionário evangélico que foi em missão para Moçambique em 1947. A invulgaridade deste disco parece sair ainda mais reforçada se atendermos ao facto de Joaquim do Cerro ser um católico protestante, facto que nos poderá conduzir à conjectura de estarmos perante espirituais de base protestante. Ficará certamente a dúvida, até que alguém nos esclareça, bem como a dúvida de qual o grau de parentesco ou afinadade da solista Júlia do Cerro com Joaquim do Cerro.

Contracapa do disco, com imagens das solistas
Como é evidente, este grupo português “Cantoras do Evangelho” não teria nenhuma vertente comercial, nem as suas componentes qualquer pretensão de estrelato, bem pelo contrário. A reserva e o anonimato destas evangelizadoras por certo fez com que com o decorrer dos anos se tornasse impossível recolher qualquer informação sobre estas intérpretes restando apenas os cânticos e a mensagem de fé neles incorporada para a posterioridade.



Clique no Play para ouvir um excerto das canções

sábado, 12 de outubro de 2013

Abel de Melo - De viva voz

O disco que escolhemos para hoje tem como figura central um ilustre desconhecido, de nome Abel de Melo, cantor que lançou para o mercado algumas canções no período imediatamente ao 25 de Abril de 1974 e que desde então imergiu no anonimato. À primeira vista poderia tratar-se de mais um (de entre muitos) cantores e baladeiros de mensagem política e panfletária do chamado “período revolucionário em curso”. No entanto, neste disco, o interprete afasta-se substancialmente do rótulo de baladeiro panfletário, socorrendo-se de uma sonoridade de cariz funk-rock, inserida já num conceito amplo de canto de intervenção. Ou seja, as canções deste single afastam-se de forma radical da linha musical da maioria dos cantores de protesto, alicerçando-se antes numa poética mais rica, em contraposição com a poesia fácil e até pobre de muitos outros, na qual quase sempre pão rimava com a palavra produção ou revolução.
Assim, é a música propriamente dita que assume um papel muito importante neste disco, sendo a sua força bem notória, bem mais do que as palavras, embora não olvidemos que estas também sejam entoadas com uma forte mensagem a elas associada, numa corrente apologística da mudança de regime e de esperança, dirigidas a um destinatário colectivo, o povo.


Curiosamente, de Abel de Melo, conhecemos ainda um registo musical marcadamente mais intimista, em que são apenas as palavras e a nua guitarra que compõem o disco, o que não deixa de ser enigmática a razão de tal viragem... No entanto, já antes Bob Dylan se transmutara radicalmente e a qualidade da sua música manteve-se intocável. E o mesmo se dirá de Abel de Melo, que tanto num como no outro disco referido, interpreta excelentes canções. No que a este disco diz respeito, salienta-se desde logo que é um interessante registo, facilmente enquadrável numa onda “groove”, pouco comum no contexto da época, um género musical claramente sem (tanta) conotação com o cariz político partidário, talvez pretendendo assim demarcar-se da corrente principal dominante na música interventiva do pré-25 de Abril. É, portanto, sem dúvida alguma, um disco de pop-rock, disfarçado de música de intervenção, embora a inversa também seja verdadeira. Por outro lado, salienta-se a interessante associação com Mike Sergeant, um dos melhores arranjadores “portugueses”, que assumiu os arranjos e direcção do conjunto que acompanhou Abel de Melo. Mais uma vez, não há qualquer informação no que diz respeito à ficha técnica do disco, para além da mencionada, o que é pena, pois de facto o disco resultou num excelente trabalho, com arranjos extremamente conseguidos que dão uma frescura às respectivas temáticas, em contraposição com o estilo mais sofrido de outros intérpretes da época. Sabemos, contudo, que um anterior single de Abel de Melo, gravado em finais de 1974, com os temas “Alerta Camarada” e “Criança Loira”, também com arranjos de Mike Sargeant, teve como acompanhantes o próprio Mike Sergeant, Filipe Zav, Daniel Louis e José Machado, pelo que poderemos muito bem admitir como possível, dada o curto lapso temporal existente entre um single e outro e a mesma editora, que o trabalho que hoje apresentamos tenha como músicos os mesmos acima referidos.
Já no que diz respeito a Abel de Melo, dele não obtivemos, até ao momento, qualquer informação, embora suspeitemos que se terá transformado num fadista, em conformidade com a gravação que encontramos no youtube, mas sobre a qual não existem grandes comentários que nos permitissem saber algo mais sobre este misterioso cantor.


Clique no Play para ouvir um excerto deste single

Abel de Melo 
Ad Libitum SIN 231
Lado A - De viva voz (Abel de Melo/ José Viana) 
Lado B - Balada para um poeta (Abel de Melo/ Manuel José Caldeira)

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Maria Amália - Tomem lá beijinhos

Por vezes, através dos textos que publicamos no Bairro do Vinil, temos conseguido entrar em contacto com diversas pessoas ligadas à vida artística que nos têm fornecido informações privilegiadas não só sobre si próprias como também sobre outros parceiros das lides musicais. De todos esses contactos que temos mantido nos últimos meses, há ainda alguns mistérios que conjuntamente continuamos a tentar desvendar. Há um caso que para nós era até há pouco tempo ainda um mistério na medida em que nem nós, nem a diversa gente ligada ao fado com quem temos contactado, conseguia descortinar quem tinha sido tal personagem. Falamos da fadista Maria Amália, uma fadista que na década de 50 gravou, pelo menos, 3 EP's para a popular editora Alvorada, num conjunto total de 12 fados, a sua grande maioria da dupla João Mateus Junior/ Walda Rodilles Mateus.

O mais curioso de tudo (e também o que mais nos intrigava) é o facto de pelo menos uma das suas criações ser um fado sobejamente conhecido no universo dos fadistas. O tema tem o sugestivo título de “Toma lá beijinhos” da autoria da dupla atrás referida, sendo o seu refrão cantarolado por muitos fadistas que, ainda que hoje não se recordem da letra completa mas que do seu refrão não se esquecem, conforme tivemos ocasião de constatar nas diversas conversas que mantivemos com alguns dos fadistas mais “antigos” sobre este assunto.
Acresce ainda referir (acentuando ainda mais o mistério sobre Maria Amália) que das 3 (bonitas) capas de discos que lhe conhecemos não consta qualquer fotografia da fadista. O mesmo se diga relativamente à contracapa. Por outro lado, de toda a imprensa da época à qual temos tido acesso não encontrámos ainda qualquer referência à fadista Maria Amália, embora tenhamos que admitir que no campo do fado nos faltam ainda muitas referências sobre as principais fontes de informação das épocas de 30 a 50 no que a este género diz respeito.
No entanto (como não desistimos facilmente nem à primeira nem à segunda tentativa) e como o nosso desejo em conhecer algo mais sobre esta fadista era realmente supremo, conseguimos apurar muito recentemente que Maria Amália terá abandonado a vida artística em 1960, altura em que emigrou para o Reino Unido, onde constituiu família juntamente com o seu marido, um cidadão nigeriano. Fruto desse casamento nasceram vários filhos, muitos deles hoje ligados à vida artística.
Maria Amália, nos anos 50
Infelizmente, a vida é madrasta e a morte é efectivamente a única certeza que conhecemos ao longo da vida. Quando há poucos dias conseguimos identificar e saber do paradeiro de Maria Amália estávamos longe de imaginar que ainda há cerca de dois, três anos (altura em que começámos a procurá-la) ainda se encontrava viva e de boa saúde. Contudo,  Maria Amália (ou Maria de Lourdes, seu possível verdadeiro nome) faleceu recentemente no primeiro trimestre de 2013, com a idade provável de 80 anos, uma vez que terá nascido entre 1932 e 1933. Não conseguimos, portanto, estabelecer contacto com esta artista, com muita pena nossa. De igual modo não lográmos ainda estabelecer contacto com os seus descendentes, algo que acreditamos estar para breve, não fosse o mundo cibernético uma aldeia cada vem mais global e pequena.
Sobre Maria Amália restam-nos, para já, apenas os discos, a sua voz e uma única foto que conseguimos recuperar. Devido à ausência de informação, abreviamos ao máximo este texto, na esperança de regressarmos em breve com mais informações, fruto da ajuda dos nossos leitores e quem sabe, dos familiares de Maria Amália. 


Para elas, principalmente, tomem lá beijinhos...

Maria de Pádua - Dobadoira / S. João das Orvalhadas

Apesar do mediatismo (e algum vedetismo) proporcionado pela imprensa social da época a alguns cançonetistas, nomeadamente a partir da criação do Centro de Preparação de Artistas de Rádio da Emissora Nacional, a grande verdade é que eram poucos aqueles que se dedicavam exclusivamente à vida artística, dela retirando o seu sustento. A grande maioria, mais não eram do que artistas amadores que em determinado momento gozaram de alguma popularidade, através de esporádicas aparições em programas de rádio e em alguns Serões para Trabalhadores e que rapidamente se desvaneciam no anonimato.
Como é fácil de compreender, tais artistas raras as vezes conseguiam conciliar a sua vida profissional com a vida artística. Os homens viam-na ser interrompida (muitas vezes para sempre) pela obrigatoriedade do cumprimento do serviço militar. No que às mulheres diz respeito, a vida artística, na maior parte dos casos, não passava de uma mera experiência de meninas que precedia a devoção à vida do lar antes do anunciado  fim do percurso artístico. Aliás, o casamento foi mesmo umas principais razões para que muitas artistas da Emissora Nacional tivessem abandonado ou optado por um rumo diferente e mais reservado na sua carreira. Dois exemplos supremos são, sem dúvida alguma, Maria de Fátima Bravo (cuja voz se imortalizou na canção “Vocês sabem lá”) e Júlia Barroso (uma das primeiras vedetas da rádio e a primeira rainha da Rádio, eleita pelos leitores da popular revista Flama) que muito cedo abdicaram das suas carreiras em favor do casamento. Outros exemplos poderíamos deixar aqui, mas reservaremos os outros para uma próxima mensagem, uma vez que a que temos em mente para hoje tem por objecto uma outra temática.


Conforme referimos, também houve casos em que nomes mais ou menos conhecidos da nossa rádio conseguiram conciliar a sua vida profissional com a vida artística, mantendo a estabilidade dos seus empregos ao mesmo tempo que seguiam cantando e gravando discos. Dois desses exemplos são Maria de Pádua e Almerinda Stella, as quais partilhavam ainda uma interessante coincidência: ambas eram funcionárias dos Correios e ambas gravaram vários discos, seja em formato 78 rpm, seja mais tarde em formato 45 rpm. Se relativamente a Almerinda Stella obtivemos já a informação de que faleceu recentemente, o mesmo já não poderemos dizer sobre Maria de Pádua, cujo paradeiro e informações biográficas continuam a ser um mistério, dada a quase ausência de registos escritos na imprensa da época sobre tal artista. Nem mesmo, através do contacto com alguns artistas da década de 40 e 50 lográmos obter qualquer informação sobre o paradeiro de Maria de Pádua.
Ainda assim, recolhemos algumas informações que partilhamos com os leitores mais interessados na esperança de obtermos um retorno de informações sobre esta artista que há cerca de 60 anos atrás gozou de alguma popularidade.
Maria de Pádua, à saída dos Correios em 1954.

Maria de Pádua estreou-se na Emissora Nacional, muito provavelmente em Novembro de 1951 no programa "Passatempo", tendo (já depois de tirar a carteira profissional no ano seguinte) continuado a vida artística até pelo menos 1954, altura em que (numa entrevista) confessara já estar desiludida com a vida artística, devido à falta de oportunidades. Contudo, nessa mesma entrevista, simultaneamente manifestava o seu desejo em “triunfar custasse o que custasse, para depois se retirar com satisfação de ter provado que possuía algum valor“. Ou seja, pelo que podemos perceber com tal afirmação, era bem provável que por essa altura o fim da carreira artística e discográfica de Maria de Pádua estivesse a atingir o seu limite, não sendo alheio o facto de não se lhe conhecer nenhuma nova gravação para o catálogo Alvorada durante toda a restante década de 50, senão a recuperação de números antigos anteriormente gravados em 78 rpm para a etiqueta Melodia (Dobadoira e Orvalhadas de S. João) mais tarde incluídos num EP daquela editora lançado para o mercado em 1959, juntamente com outras duas interpretações de Maria Amélia Canossa e do Conjunto de João Aleixo.
Facto digno de registo é que Maria de Pádua cantava também em francês e em italiano, tendo ainda no seu repertório números regionais, género do qual terá sido uma das primeiras intérpretes. Não obstante tal mediatismo, Maria de Pádua, sempre teve oposição da família quanto à sua intenção de prosseguir com a vida artística, sendo para nós uma incógnita qual o rumo que a sua carreira tomou após 1954. Terá abandonado por vontade própria, descontente com o panorama musical da época, face à emergência das primeiras vedetas da canção ? Terá casado ? Terá emigrado para África na companhia de um suposto marido ? Seria o nome de Mária de Pádua um nome meramente artístico, face à abundância de “Marias” na Emissora Nacional ? Não sabemos. Apenas sabemos que era funcionária dos CTT, conforme já referimos anteriormente, exercendo o seu posto na Praça dos Restauradores, em Lisboa. A respeito dos CTT não deixa de ser curioso também que também nesse ano, foi gravado ainda para a mesma editora um disco do Coral dos CTT. Teria Maria de Pádua pertencido ao Coral dos CTT ? No referido disco, como era hábito na altura, a ausência de informação era a regra geral e, para não fugir à regra nenhuma referência à composição do coro encontramos no referido disco, pelo que também essa pista pouco nos ajudará de futuro. Resta-nos, mais uma vez e como já vem sendo hábito, aguardar que algum leitor nos ajude a encontrar o paradeiro desta artista, cujos excertos de duas canções aqui deixamos aos nossos leitores.


Clique no Play para ouvir um excerto de "Dobadoira" e  "S. João das Orvalhadas"

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Dinorah Carmén - Não ameaces

Certamente que só alguns entendidos do fado (e mesmo assim só aqueles de uma faixa etária mais elevada) se lembrarão do nome de Dinora(h) Cármen. Afirmamos isto de forma categórica por duas razões: a primeira prende-se com o facto de Dinorah Cármen ter tido um percurso musical em terras lusas há já muitas décadas atrás e, por outro lado, pelo facto desse mesmo percurso ter sido relativamente efémero, na medida em que Dinorah ter-se-á radicado nos Estados Unidos ainda na década de 60, aquando do seu casamento com um cidadão norte-americano. Aliás, ao fazermos esta pequena incursão pela figura de Dinorah Cármen, pretendemos simultaneamente (re) lembrar alguns artistas portugueses que fizeram carreira fora de portas e que elevaram mundialmente o fado e a música portuguesa além-fronteiras quase como verdadeiros símbolos da nossa identidade nacional. Alguns desses exemplos são sobejamente conhecidos, tais como Francisco José e Alberto Ribeiro (no Brasil), António Rossano e Clara d'Ovar (em Paris) e no que aos Estados Unidos diz respeito, os nomes de Maria Marques ou Valentina Félix são incontornáveis, entre muitos outros. 

Contudo, o caso de Dinorah Cármen é para nós muito mais interessante e enigmático, não só pelas razões que apontámos como também por ter sido a única artista portuguesa (que conhecemos) que cantou para o então presidente americano, J.F. Kennedy. É que embora conheçamos (até pessoalmente) alguns artistas portugueses que cantaram para presidentes e reis,  o caso de Dinorah Carmen, por ter envolvido a figura do carismático presidente americano (ainda que como mero espectador) assume desde logo uma áurea com todo o simbolismo que não podemos olvidar, uma vez que na memória colectiva da história mais recente da Humanidade permanecerá durante muitos anos a celebre actuação e demonstração de afecto de Marilyn Monroe quando cantou os parabéns ao presidente Kennedy numa cerimónia oficial. Obviamente que, no que diz respeito a esta artista portuguesa, tal episódio foi um mero acaso, com pouca ou nenhuma expressão mas que mesmo assim merece ser registado. 

Foto de Dinorah Cármen, constante na contracapa do disco.
Sobre a vida e carreira de Dinorah Cármen  conforme já aflorámos, pouco sabemos. No entanto, podemos adiantar que se estreou nos anos 50 num programa radiofónico do famoso Marques Vidal, no RCP, tendo ganho o primeiro prémio de um concurso de fados, organizado pelo poeta Francisco Radamauto. O famoso episódio com o presidente Kennedy, terá ocorrido em 1961 nas Bermudas, onde Dinorah actuou durante 6 meses,  tendo sido nessa altura que cantou para o presidente americano, que se encontrava na assistência num espectáculo realizado num hotel local. Nesse mesmo ano, em Novembro e uma vez regressada a Portugal, voltou ao ambiente das casas típicas, onde actuava no Bairro Alto. Em Maio de 1965, depois de ter conhecido o seu futuro marido, num outro restaurante típico da capital, anunciou o seu casamento por procuração com um cidadão norte-americano no mês de Junho seguinte, tendo sido nessa altura que gravou o seu primeiro disco, aproveitando a sua estadia em Portugal. Desde então, não mais se ouviu falar de Dinorah Cármen   E é tudo, para já, sobre esta fadista.
Não nos espantaria, contudo,  se Dinorah Cármen tivesse abandonado por completo a vida artística (conforme era, aliás, sua vontade) após o casamento, tal como fizeram muitas outras artistas da época. Gostaríamos de recolher mais informações sobre esta fadista que tão curto legado nos deixou e cujas gravações (ainda que de má qualidade sonora) partilhamos com os nossos leitores, pelo que nos mantemos, como sempre, à espera dos comentários dos leitores.


Clique no Play para ouvir o tema "Não ameaçes" 
Dinorah Carmen 
Alvorada AEP 60728
Lado A1 - Não ameaçes (Túlio Pereira/ Carlos Conde)
Lado A2 - Alguém (Miguel Ramos/ Dr. Guilherme Pereira da Rosa) 
Lado B1 - Eu sei (Alfredo Marceneiro/ Júlio de Sousa) 
Lado B2 - Para que nasci, meu Deus (João Maria dos Anjos/ Armando Vieira Pinto)

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Eduardo Futre - Chuva vai, chuva vem

Apresentaremos hoje um nome totalmente obscuro da nossa música popular e cuja expressão discográfica foi praticamente nula. Falamos de Eduardo Futry, ou mais correctamente, Eduardo Futre, artista que atingiu grande popularidade há muitas décadas atrás, principalmente no período compreendido entre o final dos anos trinta e o ano de 1955 e cujo nome foi acidentalmente recuperado em finais dos anos 70, ainda a tempo da sua voz poder ficar registada numa gravação sonora.
O caso de Eduardo Futre não é, no entanto, caso único no universo musical português. Existiram muitos artistas que, não obstante a sua popularidade e consagração, não gravaram qualquer disco ou qualquer canção (Um dos casos mais flagrantes é a cançonetista Patrícia, que chegou a ser capa de revistas e ter largos espaços em revistas da época durante mais de duas décadas sem nunca ter gravado qualquer disco. E muitos outros exemplos poderíamos deixar aqui registados...). Naturalmente os tempos eram outros, não sendo demais relembrar os jovens leitores que gravar comercialmente dois lados de um disco de 78 rotações era um acontecimento muito raro para um artista português, não estranhando, aliás, que a maior parte das gravações de artistas portugueses eram efectuadas no estrangeiro.


Mas voltemos a Eduardo Futre, que se apresentava em palco acompanhado com uma viola negra que na altura ficou célebre, interpretando (um pouco ao jeito de Horacio Reynaldo) canções do folclore brasileiro, bem como alguns temas originais, imprimindo-lhe sempre com um cunho muito pessoal, ainda que sempre influenciado pelo folclore carioca.
Natural de Setúbal, Eduardo Futre começou a cantar com apenas 17 anos, numa sessão de fados no Solar da Alegria. Desde então a sua carreira não mais parou, tendo tido relativo sucesso na época, à semelhança de outros seus pares. Com efeito, Futre era também presença assídua nos Serões da F.N.A.T. e em alguns espectáculos de variedades da A.P.A, do qual chegou a ser artista privativo, tendo feito inúmeros duetos com a célebre cançonetista da época Maria do Carmo. Actuou ainda noutros espectáculos de variedades ao lado de artistas consagrados da época, como Tony de Matos, Maria José Valério, Eugénia Lima e Luis Piçarra, entre muitos outros.
Eduardo Futre, cerca de 1950
Contudo, conforme já referimos, Eduardo Futre nunca gravou comercialmente na época do seu apogeu enquanto intérprete e artista. Curioso é que, surpreendentemente e ao contrário do que se possa imaginar, Futre não gravou qualquer disco, não por dificuldades de logística, mas sim por ter recusado o cachet de 500$00 que, então lhe ofereciam, para ir gravar a Espanha (provavelmente para a Ibéria) alguns números do seu repertório. Na verdade, na altura, Eduardo Futre entendeu que tal cachet era desajustado face ao valor e popularidade que gozava na época. Sobre essa recusa, Futre viria muitos anos mais tarde a arrepender-se, conforme confessou numa entrevista publicada já na década de 70 numa revista de actualidades.
Paulatinamente, o nome de Eduardo Futre foi desaparecendo das escaparates do mundo do espectáculo, tendo também, à semelhança de muitos outros, saído da então Metrópele para o Ultramar, onde foi animador privativo num barco durante dois anos. Pouco tempo mais tarde,com o casamento e posterior fixação de residência em Lourenço Marques, reduziu drasticamente a sua actividade artística, empregando-se como mecânico, afinador de máquinas, entre outros empregos ocasionais. Porém, o abandono total da actividade artistica, foi algo que nunca se verificou plenamente, nem mesmo quando andou pelo estrangeiro até ao seu regresso a Portugal.
Foi aliás, em finais dos anos 70, que a Editora PortugalCantante, sabendo do seu regresso a Portugal, registou, aquelas que pensamos serem as únicas gravações em disco de Eduardo Futre, anunciando Futre como o regressado "cantor luso-brasileiro" (o que, conforme já referimos, não corresponde à verdade, pois Eduardo Futre é português).
Aquando da gravação do seu primeiro disco, por certo já ninguém conhecia ou se lembraria de Eduardo Futre, que um dia regressou a Portugal com a ilusão de que seu nome ainda perdurava na memória colectiva dos portugueses. Contudo, não terá sido, assim, cremos... O tempo dos espectáculos radiofónicos já havia passado e as grandes orquestras ao serviço da canção estavam então reduzidas a uma verdadeira manta de retalhos. Ainda assim, Eduardo Futre teve a ousadia de acreditar no relançamento da sua carreira, deixando para a história da música gravada as gravações que hoje deixamos aos nossos leitores.


Clique no Play para ouvir "Chuva vai, chuva vem" 
Eduardo Futre - "Cantor Luso-Brasileiro"
Portugalcantante PCEP-027
Lado A1 - Compadre tá tudo certo (Eduardo Futry)
Lado A2 - Dez anos (D.R.)
Lado B1 - Chuva vai, chuva vem (Eduardo Futry)
Lado B2 - Porteira, suba e diga (D.R.)

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Maria José e o Seu Mini Trio - Avózinha


Apesar de não sermos propriamente grandes entusiastas de registos discográficos interpretados por crianças (principalmente quando estas interpretam canções sobre sentimentos e temáticas na sua essência reservadas aos adultos), deixamos hoje um breve apontamento sobre os "mini-interpretes" que outrora foram muito populares entre nós e com uma vasta discografia. Relembramos assim, os casos de Zezinha Pereira, Linucha (e as Cigarrinhas), Maria Armanda e, num nível já totalmente diferente destes, os Mini-Pop (que mais tarde estariam na génese dos Jafumega). Daqueles nomes, excluímos muitos mini-intérpretes do fado, onde sempre existiram (e existirão) miúdos espalhados pelos bairros de Lisboa e Porto, tais como a "miúda da Boavista" (Maria de Fátima), a "miúda de Odivelas" (Helena Santos) ou a miúda de Alcântara (a conhecida e popular Marina Mota), entre muitos outros...
Deixando para trás tais breves considerações, apresentamos hoje um desses fenómenos de popularidade que foi a pequena cantora Maria José que se apresentava nos espectáculos com o seu Mini Trio, composto por jovens meninos com idades compreendidas entre os 7 e os 10 anos e que alcançaram grande popularidade durante o ano de 1967.


Contrariamente a outros grupos de jovens e à semelhança dos Mini-Pop, Maria José e o seu Mini Trio não faziam "playback" em palco, apresentando-se antes com instrumentos reais, liderados por Maria José (7 anos, organista), Alberto Cruz (8 anos, bateria) e Primavera (10 anos, vocalista e violista). Sabemos que o grupo era de Vila Nova de Gaia e era dirigido pelos pai de Maria José e de Alberto Cruz, Sebastião Silva e António Louro da Cruz, respectivamente.
Apesar do carácter unitário do grupo, a génese deste mini trio aconteceu aquando da gravação prévia de um disco a solo de Maria José, tendo sido nessa altura que o jovem baterista Alberto Cruz foi convidado a participar no projecto e a formar um duo que rapidamente se tornou num trio. Apesar de terem tido na época diversas actuações dignas de registo em casinos na zona Norte e também noutras zonas de Portugal, o certo é que naturalmente este trio acabaria por se desfazer em pouco tempo. No entanto, a nossa curiosidade leva-nos a tentar saber se os membros deste mini trio seguiram qualquer carreira musical futura ou se tal projecto terá sido apenas uma efeméride circunstancial no tempo.

Maria José e o Seu Mini Trio - Ao vivo em 1967
Como sempre, ficamos à espera de qualquer contacto que complete este nosso texto e que nos permita completar a história deste mini-trio.
Para hoje, deixamos aos nossos leitores, a interpretação da famosa canção "Avozinha" de José Guimarães, cantada noutros tempos pela cançonetista Sílvia Maria, cuja interpretação nos parece muito sentida pela pequena Primavera.


Clique no Play para ouvir "Avozinha" 
Maria José e o Seu Mini Trio
Rapsódia EPF 5.493
Lado A1 - O Natal e o emigrante (José Guimarães-Maria José)
Lado A2 - Nasceu Jesus (José Guimarães-Maria José) 
Lado B1 - Avózinha (José Guimarães-Maria José) 
Lado B2 - Natal do menino orfão (José Guimarães-Maria José)

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Conjunto Típico do Val - Já me chamam yé-yé

Nas décadas de 60 e 70 do século passado proliferavam em Portugal dezenas, senão mesmo centenas, de conjuntos típicos. Nessa altura, principalmente no Norte do país, houve um súbito aumento dos interpretes desse género musical, que curiosamente aconteceu ao mesmo tempo e com o mesmo ritmo do aumento do movimento yé-yé em Portugal, embora os conjuntos afectos a este movimento se encontrassem na sua grande maioria no Sul do país, mais concretamente em Lisboa. Coexistiam então dois estilos bem diferentes de música portuguesa, uma de raíz marcadamente popular, com recurso a instrumentos acústicos e um outro de matriz marcadamente anglo-saxónica, onde imperavam as versões de temas ingleses e a electrificação do som. Da temática abordada pelos conjuntos típicos ressaltava, sobretudo, a referência às festas e aos Santos populares, o elogio às virtudes das mulheres, o amor, o emigrante, histórias humorísticas sobre peripécias do quotidiano, entre outros temas. Paralelamente a esses temas recorrentes, começaram a surgir, com alguma repetição, quatro temáticas às quais atribuímos particular interesse histórico: a mensagem política do imediato após 25 de Abril (já aqui explorada), o surgimento da moda da mini-saia em Portugal, a apologia ao Portugal Ultramarino e, por fim, a satirização do yé-yé, levada a cabo pelos conjuntos típicos em algumas das suas canções.
É precisamente sobre este último tema que hoje dedicaremos algumas breves palavras. De facto, para além das grandes diferenças inerentes a esses dois estilos musicais, existiam aspectos extra música que acentuavam a grande diferença entre o yé-yé e a música popular, estando o primeiro naturalmente associado à rebeldia dos ritmos modernos, sendo imagem de marca as vestimentas mais arrojadas dos "chicos yé-yé" e as guedelhas bem mais desordenadas do que os executantes dos conjuntos típicos. Contrariamente, os elementos dos conjuntos típicos actuavam quase sempre de uniforme igual e personalizado, quase sempre com o predomínio das cores mais aguerridas como o vermelho e o azul, contrastando com os blusões negros dos rapazes dos ritmos modernos.

Naturalmente que tudo isto não passaria senão de um mero pormenor caso não tivesse existido por parte dos conjuntos típicos constantes referências nas suas canções aos hábitos dos elementos dos conjuntos de yé-yé. Por exemplo, não raras as vezes aconteciam sátiras aos guedelhudos do yé-yé, bem como a um suposto estilo cool que só os yé-yés dispuham e que lhes permitia impressionar com muito mais facilidade uma donzela da época do que uma pessoa dita normal.
Relativamente à mensagem de hoje, por mais que queiramos, não conseguimos separar da nossa memória a imagem da capa do disco de um conjunto yé-yé dos anos 60, na qual aparecem todos os membros da banda em cima das respectivas motorizadas, equipados com os respectivos instrumentos eléctricos e vestidos com os seus blusões negros. Ora, nem por acaso, o conjunto chamava-se Blusões Negros e ocupou um sério destaque na música portuguesa da época, sendo curiosamente um conjunto do Norte. Também hoje escreveremos sobre um conjunto típico nortenho, formado no dia 25 de Abril de 1963 e que ainda há poucos anos se mantinha em actividade, o Conjunto Típico do Val, da Trofa, que por mais do que uma vez satirizou o Yé-Yé: no seu primeiro disco, lançado para a Alvorada, em 1973 com o tema "Cabeludos" e pouco tempo mais tarde, ainda nesse ano, através do tema "Já me chamam yé-yé", canção cuja interessante letra acaba por resumir todo este já longo texto. De facto, nela está presente a referência aos cabelos compridos, à berraria do yé-yé e até à loira femme fatale dos anos 60, tudo isto tendo como denominador comum a todos os versos a famosa motorizada V5 que imperou pelas estradas portuguesas durante toda a década de 60 até aos anos 90... e não só... De facto, ainda hoje vemos por algumas das nossas estradas secundárias exemplares únicos dessa motorizada. Aliás, qual de nós é que não teve ou tem um familiar que já tenha tido uma V5 ? 

Reprodução de uma motorizada SIS Sachs V5

A canção que hoje escolhemos, mais do que uma simples canção de um conjunto típico, acaba por ser, em nosso entender, uma interessante imagem da época do yé-yé, ao ponto de o vocalista do Conjunto Típico do Val dizer que por ter uma V5 já lhe chamavam yé-yé. É certo que hoje os tempos mudaram e que, infelizmente, o Portugal "moderno" é hoje o reflexo de uma sociedade de kizomba e hip-hop, onde já nada nos caracteriza pela nossa genuinidade, a não ser mesmo o vazio que a nossa cultura vai atingindo.


Clique no Play para ouvir "Já me chamam yé yé" 

Conjunto Típico do Val 
Alvorada EP-60-1474 
A1 - Cristo amou (José Faria / Júlio Arlindo)
A2 - Rio Ave (José Faria / Júlio Arlindo)
B1 - Desfile na parada (António Mafra / arranjo José Faria e Júlio Arlindo)
B2 - Já me chamam yé-yé  (José Faria / Júlio Arlindo)