sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Henrique Cordeiro e Ariovalda Maria

A comunidade portuguesa radicada nos Estados Unidos da América, nomeadamente a açoriana radicada na California, é bem maior do que aquela que porventura possamos imaginar. Sendo assim, é natural que nessas comunidades surjam muitas vezes músicos portugueses com registos musicais naturalmente virados para a comunidade lusa radicada no estrangeiro. Nada mais óbvio. Não surpreende também que muitos desses músicos conservem bem vivas as raízes musicais da terra-mãe, cantando temas intimamente ligados ao que de mais português há em nós. Um dos temas mais simbólicos do nosso universo musical, é a conhecida “Júlia Florista” com letra de Joaquim Pimentel e música de André Vilar, um fado cantado por dezenas de ilustres intérpretes da nossa canção. Outro dos temas mais conhecidos da música popular portuguesa, é a canção do folclore açoriano “Olhos Negros”, também ela gravada de forma recorrente pelos mais diversos artistas, sendo actualmente conhecida a versão de Teresa Salgueiro.
Os intérpretes desses conhecidos temas, cujo nome apresentamos hoje, são também eles cantores radicados nos Estados Unidos, provenientes dos Açores, cujo nome em Portugal é totalmente desconhecido da quase totalidade dos portugueses. Falamos de dois irmãos : Henrique Cordeiro e de Ariovalda Maria, aqui acompanhados pelo “famoso” Conjunto Ibérico (conforme descrição da capa – uma vez que na contracapa a informação é inexistente), num E.P. gravado pela etiqueta Vance Records.

Sobre esse duo pouco conhecemos, para além do facto de serem ambos cantores açorianos com raízes discográficas que já remontam, pelo menos, ao ano de 1955, quando os dois pertenciam ao grupo Artistas Unidos. Henrique Cordeiro tem diversos registos musicais gravados, quase todos editados nos Estados Unidos, o mesmo sucedendo com Ariovalda Maria. Relativamente ao disco que apresentamos hoje aos nossos ouvintes, segundo informações de um dos membros da formação da altura do denominado Conjunto Ibérico, o mesmo foi gravado em princípios de 1968, numa única sessão de gravação, num dia em que chovia torrencialmente (facto que acrescenta a titulo de curiosidade). Já nessa altura o Conjunto Ibérico sofrera alterações na sua formação, sendo que dois dos seus membros originais se tinham afastado e formado um outro conjunto. Desta forma, conforme nos esclarece, João Cardadeiro, os membros que participaram na gravação deste disco foram: Belmiro Silva, saxofone e director do conjunto, João Cardadeiro* na guitarra electrica, Francisco Rosa na viola-baixo e Manuel Ildeberto "Burt" Gonçalves na bateria.
Os dois músicos que se ausentaram do grupo antes da gravação deste E.P. foram foram Aniceto Batista (entretanto falecido) e José Elmiro Nunes, agora radicado em Lisboa, tendo este último originalmente acompanhando Carlos do Carmo, sendo ainda hoje em dia acompanhante de muitos outros fadistas da nova vaga, entre os quais Ana Moura.
Para além da falta de informação constante no disco, que nos encarregámos de desvendar, há ainda que registar como ponto de interesse, o recurso a um saxofone neste tipo de formação musical como instrumento solista no tema Júlia Florista, com naturais influências americanas. Do mesmo, tal como também no tema Olhos Negros, há ainda o recurso a uma guitarra eléctrica, que se destaca, mais uma vez em completo arrepio com a instrumentalização base dos conjuntos típicos portugueses.

* A quem agradecemos, não só a oferta do disco, como também todas informações relativas à gravação destes temas.

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domingo, 10 de outubro de 2010

ZÉ DA VESGA (ZÉ DO POVO)

Nos meses imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974, Portugal assistiu a uma proliferação quase desmedida de música de intervenção, fosse ela transvestida sob o modo de canção política ou fosse uma mera continuação do canto de intervenção do pré 25 de Abril. Desse modo, assistiu-se sobretudo a uma utilização do fado (outrora canção conotada com o Regime) como instrumento de divulgação da critica social e política, facto que, por si só, demonstra a grande viragem ocorrida na escolha da temática e das palavras utilizadas na música portuguesa até aos nossos dias. No entanto, não só através do fado se veiculavam as novas palavras do pós 25 de Abril. A esse género associaram-se outros também (injustamente) associados ao Regime, como a música ligeira e a própria musica popular.

Como consequência do grande fluxo emigração ocorrido na década de 60, muitos artistas portugueses fizeram a sua carreira no estrangeiro, não tendo tido muito contacto com a realidade social portuguesa, senão através de noticias partilhadas à distância. No entanto, tal facto não era necessariamente sinónimo de que tais artistas (ou pelo menos parte deles) se encontravam desatentos ao que se passava no país, principalmente no pós 25 de Abril. Ora, um desses artistas que viveu muitos anos no Canada - segundo informações não confirmados já se encontra radicado em Ovar – é José Ferreira Soares, mais “conhecido” por Zé do Povo, Zé da Vesga ou "João Mora Cá" que em pleno verão quente de 1975, lança um E.P., gravado no Canada pela etiqueta Precision Record, num estilo (muito) satírico e bem humorado, através do qual apresenta a sua visão sobre a instabilidade política que se fazia sentir em Portugal, que em pouco de mais de um ano de liberdade, já tinha conhecido seis governos diferentes.

Trata-se de um registo musical manifestamente virado para o sentimento generalizado do povo, o qual ainda se encontrava desconfiado dos ideais de liberdade e de igualdade proclamados pelos generais da revolução, que demoraram a impor-se na sociedade portuguesa. Zé da Vesga, autor e compositor de textos literários e musicais, com posteriores passagens pelo fado, utiliza neste disco, um registo de música baile bem animado, perfeitamente coadunado com o seu irónico registo vocal, constatando situações que, de certa forma, ainda se mantêm actuais. Sobre o seu percurso musical pouco conhecemos, sabendo, no entanto, da existência de um LP e de um outro E.P. denominado “Disquinhos do Zé do Povo”,com os temas “Cravos de 25 d´abril / O grande camaleão / A grande caserna / O punhal e a Rússia”, provavelmente também da mesma editora.
Zé da Vesga, apresenta-se acompanhado pelo, para nós desconhecido Conjunto Capas Negras, conforme se pode ver na capa do E.P. Para finalizarmos, permitam-nos chamar ainda a atenção para a interessante componente caricatural presente na capa, que por si só já transmite para os ouvintes todo o sentimento das músicas constantes deste disco.




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