Nas décadas de 60 e 70
do século passado proliferavam em Portugal dezenas, senão mesmo
centenas, de conjuntos típicos. Nessa altura, principalmente no
Norte do país, houve um súbito aumento dos
interpretes desse género musical, que curiosamente aconteceu ao
mesmo tempo e com o mesmo ritmo do aumento do movimento yé-yé em
Portugal, embora os conjuntos afectos a este movimento se encontrassem na sua grande maioria no Sul
do país, mais concretamente em Lisboa. Coexistiam então dois estilos bem diferentes de
música portuguesa, uma de raíz marcadamente popular, com recurso a
instrumentos acústicos e um outro de matriz marcadamente
anglo-saxónica, onde imperavam as versões de temas ingleses e a
electrificação do som. Da temática abordada pelos conjuntos
típicos ressaltava, sobretudo, a referência às festas e aos Santos
populares, o elogio às virtudes das mulheres, o amor, o emigrante,
histórias humorísticas sobre peripécias do quotidiano, entre outros
temas. Paralelamente a esses temas recorrentes, começaram a surgir, com alguma repetição, quatro temáticas às quais atribuímos
particular interesse histórico: a mensagem política do imediato
após 25 de Abril (já aqui explorada), o surgimento da moda da
mini-saia em Portugal, a apologia ao Portugal Ultramarino e, por fim,
a satirização do yé-yé, levada a cabo pelos conjuntos típicos em
algumas das suas canções.
É precisamente sobre
este último tema que hoje dedicaremos algumas breves palavras. De
facto, para além das grandes diferenças inerentes a esses dois
estilos musicais, existiam aspectos extra música que acentuavam a
grande diferença entre o yé-yé e a música popular, estando o primeiro naturalmente associado à rebeldia dos ritmos modernos, sendo
imagem de marca as vestimentas mais arrojadas dos "chicos yé-yé"
e as guedelhas bem mais desordenadas do que os executantes dos
conjuntos típicos. Contrariamente, os elementos dos conjuntos
típicos actuavam quase sempre de uniforme igual e personalizado,
quase sempre com o predomínio das cores mais aguerridas como o
vermelho e o azul, contrastando com os blusões negros dos rapazes
dos ritmos modernos.
Naturalmente que tudo
isto não passaria senão de um mero pormenor caso não tivesse
existido por parte dos conjuntos típicos constantes referências nas
suas canções aos hábitos dos elementos dos conjuntos de yé-yé.
Por exemplo, não raras as vezes aconteciam sátiras aos guedelhudos
do yé-yé, bem como a um suposto estilo cool que só os
yé-yés dispuham e que lhes permitia impressionar com muito mais
facilidade uma donzela da época do que uma pessoa dita normal.
Relativamente à mensagem de hoje, por mais que queiramos, não conseguimos separar da nossa memória a imagem da capa do disco de um conjunto yé-yé dos anos 60, na qual aparecem todos os membros da banda em cima das respectivas motorizadas, equipados com os respectivos instrumentos eléctricos e vestidos com os seus blusões negros. Ora, nem por acaso, o conjunto chamava-se Blusões Negros e ocupou um sério destaque na música portuguesa da época, sendo curiosamente um conjunto do Norte. Também hoje escreveremos sobre um conjunto típico nortenho, formado no dia 25 de Abril de 1963 e que ainda há poucos anos se mantinha em actividade, o Conjunto Típico do Val, da Trofa, que por mais do que uma vez satirizou o Yé-Yé: no seu primeiro disco, lançado para a Alvorada, em 1973 com o tema "Cabeludos" e pouco tempo mais tarde, ainda nesse ano, através do tema "Já me chamam yé-yé", canção cuja interessante letra acaba por resumir todo este já longo texto. De facto, nela está presente a referência aos cabelos compridos, à berraria do yé-yé e até à loira femme fatale dos anos 60, tudo isto tendo como denominador comum a todos os versos a famosa motorizada V5 que imperou pelas estradas portuguesas durante toda a década de 60 até aos anos 90... e não só... De facto, ainda hoje vemos por algumas das nossas estradas secundárias exemplares únicos dessa motorizada. Aliás, qual de nós é que não teve ou tem um familiar que já tenha tido uma V5 ?
Reprodução de uma motorizada SIS Sachs V5
A canção que hoje
escolhemos, mais do que uma simples canção de um conjunto típico,
acaba por ser, em nosso entender, uma interessante imagem da época
do yé-yé, ao ponto de o vocalista do Conjunto Típico do Val dizer
que por ter uma V5 já lhe chamavam yé-yé. É certo que hoje os
tempos mudaram e que, infelizmente, o Portugal "moderno"
é hoje o reflexo de uma sociedade de kizomba e hip-hop, onde já
nada nos caracteriza pela nossa genuinidade, a não ser mesmo o vazio que a nossa cultura vai atingindo.
Clique no Play para ouvir "Já me chamam yé yé"
Conjunto Típico do Val
Alvorada EP-60-1474
A1 - Cristo amou (José Faria / Júlio Arlindo)
A2 - Rio Ave (José Faria / Júlio Arlindo)
B1 - Desfile na parada (António Mafra / arranjo José Faria e Júlio Arlindo)
B2 - Já me chamam yé-yé (José Faria / Júlio Arlindo)
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