Nos meses imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974, Portugal assistiu a uma proliferação quase desmedida de música de intervenção, fosse ela transvestida sob o modo de canção política ou fosse uma mera continuação do canto de intervenção do pré 25 de Abril. Desse modo, assistiu-se sobretudo a uma utilização do fado (outrora canção conotada com o Regime) como instrumento de divulgação da critica social e política, facto que, por si só, demonstra a grande viragem ocorrida na escolha da temática e das palavras utilizadas na música portuguesa até aos nossos dias. No entanto, não só através do fado se veiculavam as novas palavras do pós 25 de Abril. A esse género associaram-se outros também (injustamente) associados ao Regime, como a música ligeira e a própria musica popular.
Como consequência do grande fluxo emigração ocorrido na década de 60, muitos artistas portugueses fizeram a sua carreira no estrangeiro, não tendo tido muito contacto com a realidade social portuguesa, senão através de noticias partilhadas à distância. No entanto, tal facto não era necessariamente sinónimo de que tais artistas (ou pelo menos parte deles) se encontravam desatentos ao que se passava no país, principalmente no pós 25 de Abril. Ora, um desses artistas que viveu muitos anos no Canada - segundo informações não confirmados já se encontra radicado em Ovar – é José Ferreira Soares, mais “conhecido” por Zé do Povo, Zé da Vesga ou "João Mora Cá" que em pleno verão quente de 1975, lança um E.P., gravado no Canada pela etiqueta Precision Record, num estilo (muito) satírico e bem humorado, através do qual apresenta a sua visão sobre a instabilidade política que se fazia sentir em Portugal, que em pouco de mais de um ano de liberdade, já tinha conhecido seis governos diferentes.
Trata-se de um registo musical manifestamente virado para o sentimento generalizado do povo, o qual ainda se encontrava desconfiado dos ideais de liberdade e de igualdade proclamados pelos generais da revolução, que demoraram a impor-se na sociedade portuguesa. Zé da Vesga, autor e compositor de textos literários e musicais, com posteriores passagens pelo fado, utiliza neste disco, um registo de música baile bem animado, perfeitamente coadunado com o seu irónico registo vocal, constatando situações que, de certa forma, ainda se mantêm actuais. Sobre o seu percurso musical pouco conhecemos, sabendo, no entanto, da existência de um LP e de um outro E.P. denominado “Disquinhos do Zé do Povo”,com os temas “Cravos de 25 d´abril / O grande camaleão / A grande caserna / O punhal e a Rússia”, provavelmente também da mesma editora.
Zé da Vesga, apresenta-se acompanhado pelo, para nós desconhecido Conjunto Capas Negras, conforme se pode ver na capa do E.P. Para finalizarmos, permitam-nos chamar ainda a atenção para a interessante componente caricatural presente na capa, que por si só já transmite para os ouvintes todo o sentimento das músicas constantes deste disco.
Clique no play para ouvir um excerto do disco
2 comentários:
O Zé da Vesga vive em Ovar, esta de boa saude, trata do arranjo de Trupes de Reis e foi meu vizinho em Ovar durante alguns anos. Abraço
Não vive em Ovar... vive no Canadá, toronto. É meu pai. Está em Ovar de tempos a tempos... e sim, continua a compôr para as trupes.
:')
Enviar um comentário