Uma das figuras
mais distintas da música portuguesa de todos os tempos é também
simultaneamente uma das mais esquecidas pela nossa imprensa (mesmo a
especializada). Cabe-nos a nós contribuir para que a memória de
alguns sobreviventes dessa época não se esmoreça, bem como
contribuir para que outros fiquem a conhecer (ainda que com algumas
décadas de distância) essa grande pianista que foi Beatriz de Sousa
Santos.
Beatriz de Sousa Santos era uma
artista peculiar e foi esse aspecto que sempre a caracterizou. De
facto, não podemos olvidar que na época de 40 e 50 foi uma das
poucas mulheres que se destacou como instrumentista num universo
predominantemente masculino. Contudo, a singularidade de Beatriz de
Sousa Santos vai muito para além disso, pois outras mulheres
solistas instrumentistas co-existiram na mesma altura. O que mais se
destaca é simplesmente a linha artística que a mesma seguiu, pois
embora tivesse adoptado como instrumento de eleição o piano,
afastou-se da linha clássica da altura, aderindo aos ritmos
modernos sobre teclas e à improvisação sobre temas estrangeiros
aprendidos de ouvido em noites às claras junto ao seu rádio
receptor.
Em inícios de
1944, o director musical da NBC, enviou-lhe um telegrama com uma
proposta milionária para actuar nas emissões normais daquela
estação. O telegrama tinha os seguintes dizeres: “Oferecemos
contrato de executante de piano, música moderna, com ordenado anual
de dez mil dólares para actuar nas emissões normais da N.B.C.
Queira responder”.
Contudo, contrariamente
ao que fora noticiado na época com grande destaque na imprensa, Beatriz
de Sousa Santos, acabou por recusar tal convite, ficando-se por
Portugal onde fez toda a sua carreira, fosse como pianista residente
do Hotel Mundial (onde terá permanecido cerca de 19 anos), seja na
Emissora Nacional, onde colaborou com assiduidade com Mota Pereira,
no Centro de Preparação de Artistas de Rádio, desde a sua fundação
em 1947. Não deixa de ser curioso que Beatriz de Sousa Santos chegou
a confessar ter medo das audiências de milhões de ouvintes nos
Estados Unidos ao mesmo tempo que admitia ser um sonho trabalhar
com os coros de All Johnson, ou conhecer Bing Crosby ou Vera Lynn,
que na altura fariam furor na N.B.C. Terá sido a sua exagerada modéstia que a impediu de se tornar mundialmente famosa, não duvidamos.
Beatriz de Sousa Santos, nos anos 40 |
Temos
plena consciência que as novas gerações provavelmente nunca
ouviram falar de Beatriz de Sousa Santos, pois o apogeu da sua
carreira ocorreu há mais de 50 anos , durante as décadas de 40 e de 50
do século passado. No entanto, não deixamos de lamentar que tão
ilustre e mediática figura não conste em qualquer obra de carácter
enciclopédico virada para a música ou para as artes e o
espectáculo. Uma verdadeira lacuna. Veremos o que o futuro nos
reserva.
Escusado
será dizer, como aliás bem se salienta no blogue “Isto é
Espectáculo” que Beatriz de Sousa Santos morreria na miséria,
totalmente esquecida pelo público e por aqueles que outrora do seu
talento se serviram para promover a imagem da cultura e do talento
dos portugueses.
Caso
algum leitor disponha de mais dados sobre esta figura incontornável gostaríamos que entrasse em contacto connosco. Para já, deixamos
para os nossos ouvintes e leitores uma pouco da música de Beatriz de
Sousa Santos.
Beatriz de Sousa Santos
Alvorada MEP 60209
A1) Canção do mar - Estoril - Sempre que Lisboa canta
A2) Chove lá fora - La paloma - Cielito lindo
B1) Flamingo - Woman in love
B2) La piu bella del mondo - Parole e musica - Chau Chau bambina
Clique no play para ouvir a última canção do lado B.
5 comentários:
Sou um grande admirador da srª D.
Beatriz de Sousa Santos.Pode não acreditar nasci em 1945,como tal o auge da carreira desta fabulosa pianista foi atingido tinha eu nove
ou dez anos de idade.Não sei respon_
der mas,é verdade com aquela idade,
vinha da escola quase a correr para
ligar telefonia lá de casa,sintoni_
sava a saudosa EN para ouvir as suas interpretações em directo da varanda do Hotel Mundial.Com a idade fui aprendendo mais sobre a Srª.Passei a chamar-lhe o Carmen Cavallaro potuguês.Não ficava nada atrás deste célebre pianista que também muito aprecio.Infelizmente a Srª era portuguesa,foi votada ao abandono.Nem o pós 25 de Abril lhe fez justiça.Nunca esquecerei os momentos de sonho que esta Srªdeu a um puto que rondava os dez.Tela-ei sempre no meu coração.Obrigado Dª Beatriz.
Carlos Nabeiro.
Tem toda razão nas palavras que diz sobre tão digna Senhora , conheci Beatriz de Sousa Santos em 1966 como pianista no Hotel Mundial era eu nesse tempo uma criança de 13 anos que já trabalhava nesse mesmo local, privei com esta ilustre pianista durante algum tempo era de uma simpatia incrível e de uma generosidade igual, nunca quis sair de Portugal onde sempre se sentiu bem mas certamente se tivesse aceite os convites que lhe fizeram lhe dariam mais valor, diz bem quando relata as transmissões para a Emissora Nacional e se a memória não me falha eram às 3ªs Feiras pelas 20 horas.
Foi com uma grande tristeza que em 1985 através do Correio da Manhã vi uma grande reportagem nas páginas centrais sobre a morte miserável de pobreza em que esta grande Senhora faleceu. .
Jose Rodrigues
Sim, lembro-me muito bem, era eu miúdo, de em casa a ouvirmos sempre á hora do almoço em directo do foier do Hotel Mundial, transmitido na Emissora Nacional.
Encontrei recentemente o vinil que aqui apresentam ,desconhecia o nome por completo pensei tratar-se de alguma cantora, confirmei a que tipo de música
se dedicava, vim pesquisar, fiquei a saber mais um pouco da sua carreia
artística.
Com 14 Anos ouvia " deliciado " na E.N. ... mais tarde com 22/ 23 conheci- a Pessoalmente fui Seu AMIGO e ía ao Hotel Mundial às Suas Audições ...
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