sábado, 22 de agosto de 2009

O Carlos dos Jornais


Iniciamos com uma alusão a uma figura peculiar de Lisboa, que durante algumas décadas marcou o quotidiano de todos aqueles que passavam pela esquina da Rua 1.º de Dezembro com a Calçada do Carmo: “Carlos dos Jornais”, (cujo nome completo desconhecemos), que conforme o nome indica, vendia jornais e revistas nessa esquina. Mais tarde, segundo conseguimos apurar, terá mesmo aberto um quiosque também em Lisboa, embora desconheçamos se o terá feito na mesma rua. Segundo informações que recolhemos nesta aldeia global, que é a Internet, Carlos dos Jornais, era um homem brincalhão, muito correcto e respeitador. Teria sido apenas mais um comum mortal, se se tivesse apenas limitado pura e simplesmente à venda de jornais e revistas. No entanto, a peculiaridade da sua figura consistia na sua facilidade em dialogar em verso como os seus clientes, através de quadras todas elas improvisadas na hora, muitas vezes até de forma de desgarrada com quem se atrevia a responder às suas quadras.
O que muitos não saberão, tal como nós não o sabíamos até há alguns meses atrás, é que Carlos dos Jornais, devido à sua popularidade a afabilidade, foi convidado para gravar um disco com algumas das suas quadras, certamente preparadas para o efeito. Como informação relativa aos créditos deste registo fonográfico, temos apenas o prefácio constante da contracapa do E.P., escrito pelo próprio “artista”, que, pela sua importância, aqui transcrevemos na íntegra:
Em primeiro lugar, uma pequenina introdução para a explicação da gravação deste disco. Riso & Ritmo convidou-me, eu acedi, e dentro da minha modesta maneira de ser, aqui vão algumas quadras a diversas pessoas, as quais têm o fim de não ferir, e até, gratamente em agradecer.
Se tiver êxito, outras pessoas serão focadas num próximo disco, mas sempre com a correcção que me é peculiar. Portanto, a todos os meus amigos um muito obrigado e vou começar. - Carlos dos Jornais”

Em termos de registo fonográfico, trata-se, sem dúvida de uma interessante recolha, não só da voz e quadras de Carlos dos Jornais, como também da própria ambiência de Lisboa à época da gravação desde disco, que podemos situar, com elevado grau de probabilidade, em 1970. Nele encontramos não só o som das guitarras portuguesas, como também o próprio registo dos transeuntes a comprar jornais ao intérprete do disco e de toda a azáfama matinal típica de uma grande cidade como Lisboa. Os temas abordados por Carlos dos Jornais retratam o Portugal da época, com claras alusões à promessa do fim das barracas em Lisboa, ao insucesso do treinador Meirim (do Belenenses) e, quase totalidade da face B do disco, uma homenagem aos nossos artistas, tais como Hermínia Silva, Tonicha e Raul Solnado. Aliás, em relação a este último Carlos dos Jornais, é peremptório ao invocar a tristeza geral do povo português pelo fim do afamado programa de entretenimento “Zip-Zip”, ao qual dedica a seguinte quadra: “...Ao Solnado, bom rapaz/Oiça bem a minha voz/ Não sabe a falta que faz/ O Zip para todos nós/ Mesmo depois da canseira/ era esta a discussão/ estamos na segunda-feira/ à Zip na televisão/ Era uma noite de arrasa/ dizia o povo, acho bem/ Estava tudo em casa/ Na rua quase ninguém.”
Desconhecemos se Carlos dos Jornais terá sido convidado a gravar mais algum disco. Uma coisa podemos, no entanto, conjecturar: terá Carlos dos Jornais vendido os seus próprios discos no seu quiosque? Provavelmente sim.

Oiça um pouco do disco, clicando no Play

5 comentários:

João Tomaz disse...

Uma foto de uns versos do Carlos dos jornais em 1963, no estádio da Luz
http://www.facebook.com/photo.php?fbid=376128282412622&set=pu.107761465915973&type=1&theater

Julio Amorim disse...

Seria hoje um "rapper" dos melhores. Lembro-me bem dele e do seu gosto pelo show que dava.

Unknown disse...

Gostei muito de poder rever o meu querido pai obrigada por se lembrarem dele.

João Soares disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Soares disse...

Lembrei-me do Carlinhos e encontrei-o aqui, era puto e via-o todos os dias quando descia do Sacramento para a loja de família na baixa, era um amigo e uma simpatia constante, guardo dele a recordação d'antiga Lisboa, sentimos todos a sua morte e a sua falta, guardo também um single que ele nos ofereceu sem aceitar o pagamento. Era tão bom saber que ele estava sempre ali.