O disco que escolhemos para hoje
tem como figura central um ilustre desconhecido, de nome Abel de
Melo, cantor que lançou para o mercado algumas canções no período
imediatamente ao 25 de Abril de 1974 e que desde então imergiu no
anonimato. À primeira vista poderia tratar-se de mais um (de entre
muitos) cantores e baladeiros de mensagem política e panfletária do
chamado “período revolucionário em curso”. No entanto,
neste disco, o interprete afasta-se substancialmente do rótulo de
baladeiro panfletário, socorrendo-se de uma sonoridade de cariz
funk-rock, inserida já num conceito amplo de canto de intervenção.
Ou seja, as canções deste single afastam-se de forma radical da
linha musical da maioria dos cantores de protesto, alicerçando-se
antes numa poética mais rica, em contraposição com a poesia fácil
e até pobre de muitos outros, na qual quase sempre pão rimava com
a palavra produção ou revolução.
Assim, é a música propriamente
dita que assume um papel muito importante neste disco, sendo a sua
força bem notória, bem mais do que as palavras, embora não
olvidemos que estas também sejam entoadas com uma forte mensagem a
elas associada, numa corrente apologística da mudança de regime e
de esperança, dirigidas a um destinatário colectivo, o povo.
Curiosamente, de Abel de Melo,
conhecemos ainda um registo musical marcadamente mais intimista, em
que são apenas as palavras e a nua guitarra que compõem o disco, o
que não deixa de ser enigmática a razão de tal viragem... No
entanto, já antes Bob Dylan se transmutara radicalmente e a
qualidade da sua música manteve-se intocável. E o mesmo se dirá de
Abel de Melo, que tanto num como no outro disco referido, interpreta
excelentes canções. No que a este disco diz respeito, salienta-se
desde logo que é um interessante registo, facilmente enquadrável
numa onda “groove”, pouco comum no contexto da época, um género
musical claramente sem (tanta) conotação com o cariz político
partidário, talvez pretendendo assim demarcar-se da corrente
principal dominante na música interventiva do pré-25 de Abril. É,
portanto, sem dúvida alguma, um disco de pop-rock, disfarçado de
música de intervenção, embora a inversa também seja verdadeira.
Por outro lado, salienta-se a interessante associação com Mike
Sergeant, um dos melhores arranjadores “portugueses”, que assumiu
os arranjos e direcção do conjunto que acompanhou Abel de Melo.
Mais uma vez, não há qualquer informação no que diz respeito à
ficha técnica do disco, para além da mencionada, o que é pena,
pois de facto o disco resultou num excelente trabalho, com arranjos
extremamente conseguidos que dão uma frescura às respectivas
temáticas, em contraposição com o estilo mais sofrido de outros
intérpretes da época. Sabemos, contudo, que um anterior single de
Abel de Melo, gravado em finais de 1974, com os temas “Alerta
Camarada” e “Criança Loira”, também com arranjos de Mike
Sargeant, teve como acompanhantes o próprio Mike Sergeant, Filipe
Zav, Daniel Louis e José Machado, pelo que poderemos muito bem
admitir como possível, dada o curto lapso temporal existente entre
um single e outro e a mesma editora, que o trabalho que hoje
apresentamos tenha como músicos os mesmos acima referidos.
Já no que diz respeito a Abel de
Melo, dele não obtivemos, até ao momento, qualquer informação,
embora suspeitemos que se terá transformado num fadista, em
conformidade com a gravação que encontramos no youtube, mas sobre a
qual não existem grandes comentários que nos permitissem saber algo
mais sobre este misterioso cantor.
Clique no Play para ouvir um excerto deste single
Abel de Melo
Ad Libitum SIN 231
Lado A - De viva voz (Abel de Melo/ José Viana)
Lado B - Balada para um poeta (Abel de Melo/ Manuel José Caldeira)
1 comentário:
Abel de Melo faleceu prematuramente há alguns anos quando seguia de carro numa estrada perto de Mafra, vitimado por um aneurisma fulminante.
Paz à sua alma
João msc
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